‘Nosso sucesso começa nos primeiros meses da pandemia’
Responsável por campanha chilena diz que decisão de participar de muitos testes garantiu doses de laboratórios
• O Chile estabeleceu uma meta de vacinação de 5 milhões de pessoas até o fim de março. Você acha que o país atingirá a meta? Temos 2,5 milhões de pessoas que já receberam a primeira dose. Do ponto de vista da logística, temos condições de atingir a meta. Estamos vacinando 1 milhão de pessoas por semana. A grande questão é se teremos remessas suficientes. Mas hoje, 19 de fevereiro, o presidente anunciou que 4 milhões de doses chegarão na próxima semana. Isso coloca o Chile perto de cerca de 8 milhões de doses, o suficiente para garantir que uma porcentagem importante da população receba duas doses da vacina. Se continuarmos recebendo os lotes, acho que poderemos chegar a 5 milhões de pessoas vacinadas em março.
• Há um fator principal que explica por que o Chile conseguiu vacinar tantas pessoas em um período tão curto?
Um fator tem a ver com o sistema básico de saúde do Chile e a história do programa de vacinação do país. As vacinas no Chile são universais para beneficiários do setor público e privado e são facilitadas por um registro de imunização nacional. Independentemente de onde somos vacinados, continuamos na mesma plataforma. Isso permite que tenhamos uma contagem em tempo real, e ajuda a garantir que a primeira e a segunda doses sejam espaçadas.
• O Chile participou de vários testes de vacinas no ano passado. Foi uma decisão estratégica, e você acha que ajudou o Chile a obter o acesso às vacinas?
Sim, foi uma decisão estratégica tomada pelos membros da comunidade científica do Chile que colaborou em estudos liderados pela Moderna, Astrazeneca, Cansino, Pfizer e Sinovac, e estes mesmos grupos científicos garantiram acordos com os laboratórios. O Chile, na realidade, está atualmente avaliando acordos para a vacina Sputnik V, da Rússia, do Instituto Gamaleya.
• Com base em sua experiência, que medidas poderão tomar os líderes de outros países da América Latina para conseguir o que vocês conseguiram?
Já tínhamos algumas plataformas que nos beneficiaram, e que outros países da América Latina talvez não tenham, como um registro eletrônico nacional de imunização. Acho que a principal limitação dos países latino-americanos é seu acesso limitado à vacina. A comunidade médica e a comunidade política global deveriam se preocupar em saber se haverá uma distribuição mais equitativa.
• A questão da desigualdade, que foi um tema importante na sociedade chilena nos últimos anos, influiu no processo de vacinação? Ela exigiu muito mais cuidado das autoridades chilenas. Acho que depois do levante social nosso presidente compreendeu que ele, por exemplo, não poderia ser vacinado antes de outros chilenos. Na realidade, um de seus gestos, que acho que o redimiu, foi o presidente não ter recebido uma vacina simbólica. Ao contrário, ele teve de esperar na fila como todos os outros e foi vacinado quando as pessoas do seu grupo etário começaram a ser vacinadas, e não antes.
• De que maneira os setores público e privado colaboraram no processo de vacinação?
Foi tudo muito organizado. Quando os trabalhadores da
Izkia Siches
Líder do programa de vacinação do Chile
Em fevereiro, Izkia entrou na lista da Time, dos 100 principais líderes emergentes do mundo. Aos 34 anos, ela é uma das figuras mais populares do Chile e foi até cogitada como candidata à presidência.
saúde começaram a ser vacinados, não houve distinção entre os da saúde pública e os da privada, ao contrário do que está acontecendo no México, por exemplo. Houve alguma pressão de diferentes setores da economia para um maior envolvimento no processo de vacinação, mas, por enquanto, o grande ônus da vacinação vem sendo arcado pelo setor público do Chile.
• Quais são algumas das dificuldades do Chile que o processo de vacinação enfrentará nas próximas semanas e meses?
A primeira tem a ver com garantir que as remessas cheguem ao mesmo ritmo em que vacinamos as pessoas, mais de um milhão por semana. O que exige um fluxo contínuo de novos lotes de vacinas. E a segunda tem a ver com esclarecer quais são os grupos prioritários. Para tanto, nossa perspectiva na associação dos médicos é garantir em primeiro lugar as pessoas acima dos 60 anos e as que têm doenças crônicas. Depois, a questão de que a prioridade da população em geral acaba se tornando mais política. Quem vacinar em primeiro lugar – os trabalhadores dos transportes, professores, trabalhadores das docas, pessoal de negócios, trabalhadores essenciais? Essa definição deve ser muito transparente, para que não haja nenhuma percepção de que pessoas furam a fila, e cujo privilégio lhes permite ter acesso à vacina. Acho que o fenômeno peruano chamou a atenção dos líderes mundiais. A percepção de que há injustiça no acesso dos cidadãos ao sistema de saúde pública é absolutamente vital. Se começarmos a furar a fila, será muito difícil manter a política de vacinação pública.