Startups do Brasil buscam mercado em outros países
De unicórnios a novatas, startups nacionais expandem mercados além das fronteiras; movimento ganhou força durante a pandemia
Com um mercado do tamanho do Brasil à disposição, startups nacionais historicamente relutaram em olhar para além de nossas fronteiras. Porém, para muitas delas, chegou a hora de sair de casa. Inspiradas por gigantes do nosso ecossistema, como Nubank e Gympass, startups brasileiras estão avançando seus negócios para outros países. O perfil varia: algumas estão em um movimento de expansão agressivo, enquanto outras estão carimbando o passaporte aos poucos. Em comum, todas têm a ideia de que é hora de partir para outras terras – e oportunidades.
O Ebanx é uma das startups brasileiras que têm turbinado sua presença internacional. Em outubro do ano passado, a empresa anunciou a expansão das operações de processamento de pagamentos para cinco novos mercados: Panamá, Costa Rica, República Dominicana, Guatemala e Paraguai. O avanço faz parte de um projeto de internacionalização robusto que começou em 2015 e até então englobava oito países (México, Colômbia, Argentina, Chile, Peru, Uruguai, Bolívia e Equador) – o plano do Ebanx, que atingiu a avaliação de US$ 1 bilhão em 2019, é se consolidar como uma empresa latino-americana.
Olhar para fora é natural para o Ebanx. Fundada em 2012 em Curitiba, a startup trabalha com clientes globais e ficou conhecida por uma solução que ajuda empresas estrangeiras como Spotify e Aliexpress a vender no Brasil com pagamentos em moeda local. “Assim como o Brasil, a América Latina como um todo tem uma inclusão financeira particularmente baixa. Para uma empresa como o Ebanx, não faz sentido só ter operações em um mercado porque, no final das contas, os comerciantes internacionais estão buscando contato com diferentes regiões”, diz ao Estadão a uruguaia Juliana Etcheverry, diretora de expansão da startup na América Latina.
Na comparação de 2020 com o ano anterior, o Ebanx registrou um crescimento de 200% no número de transações processadas nos oito países da América Latina em que opera, fora o Brasil. Atualmente, a startup tem mais de 900 funcionários, com equipes e escritórios no Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, México, Colômbia, Peru, Estados Unidos, Reino Unido e China.
A rota latino-americana é um caminho escolhido também pela Zenvia, uma das candidatas a “unicórnio” em 2021, segundo estudo da empresa de inovação Distrito. Dona de uma plataforma de soluções para atendimento online, a empresa comprou em julho de 2020 a startup argentina Sirena, que atua no mesmo ramo. Em novembro, anunciou operação no México.
“Estamos estudando opções, mas o nosso foco para este ano se mantém na região latina. Buscamos países que
tenham um modelo econômico que viabilize fazer investimentos e que sejam abertos para empresas de fora, de forma independente ou por meio de parcerias e aquisições”, diz Raphael Godoy, diretor de marketing da Zenvia.
Escala. Segundo Pedro Waengertner, sócio da empresa de inovação Ace, a expansão internacional é resultado de um processo de profissionalização: houve uma fase em que os serviços das empresas eram apenas cópias do que existia lá fora, depois eles evoluíram para atacar problemas específicos do mercado interno e agora estão focando em execução dos produtos para escalar negócios.
Nesse processo, as startups brasileiras têm cartas na manga. “O Brasil é tão grande e os problemas são tão profundos que não necessariamente a startup precisa nascer global. Se ela atacar uma dor relevante da realidade brasileira, provavelmente esse problema terá tamanho global”, afirma Gustavo Gierun, cofundador da Distrito.
A aceleração da transformação digital na pandemia também facilitou a internacionalização. Para Gustavo Müller, presidente da fintech Monkey Exchange, as distâncias entre diferentes mercados ficaram mais estreitas – em 2020, a startup deu início à expansão internacional para Chile, Colômbia e México. “Por incrível que pareça é mais fácil expandir agora, já que todo mundo se acostumou com o mundo digital. Todas as discussões com parceiros em outros países têm funcionado bem de maneira remota”, diz.
O Ebanx também sentiu essa mudança. “Há cinco anos, quando abrimos operação no México, não imaginava que seria possível entrar em um novo mercado sem viajar para lá várias vezes”, afirma Juliana, que estava acostumada a viajar todo mês do Uruguai para Curitiba, e também para outros países.
Segundo a executiva, o saldo de expandir na pandemia foi positivo e a empresa se aperfeiçoou na arte de resolver coisas a distância. “Tivemos vários desafios, como, por exemplo, o contato com autoridades e órgãos públicos de cada país. Ao mesmo tempo, todo mundo agora entende que é possível fazer negócios digitalmente”, diz.
Muros. Apesar dos sinais positivos, ainda há muito espaço para as startups brasileiras evoluírem em internacionalização. Hoje, o movimento está sendo protagonizado principalmente por empresas “B2B”, que têm mais facilidade em escalar serviços, já que o número de clientes é menor. Negócios voltados ao consumidor final costumam exigir mais investimento em marketing e vendas, o que poucas startups estão arriscando fazer – é um processo que o Nubank está encarando, mas com a estrutura de uma empresa avaliada em US$ 25 bilhões.
Para a internacionalização do ecossistema seguir amadurecendo, a peça-chave é a cabeça do empreendedor, diz Gilberto Sarfati, professor da FGV: “O caminho é ter mais mentalidade internacional e o sonho de abraçar o mundo”.
“Há cinco anos, quando iniciamos no México, não imaginava que seria possível entrar em um novo mercado sem viajar para lá várias vezes.” Juliana Etcheverry Diretora de Expansão Latam do Ebanx