O Estado de S. Paulo

William Waack Vendedores de esperanças

Bolsonaro e Lula vão disputar o mesmo eleitorado, num faroeste sem mocinhos.

- WILLIAM WAACK ✽

Nos fenômenos políticos brasileiro­s dos últimos 20 anos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro exibem uma importante caracterís­tica em comum: foram vendedores de esperanças frustradas. As diferenças ideológica­s e de estilo entre eles empalidece­m diante do fato de que assumiram prometendo grandes transforma­ções e acabaram governando com a mesma massa amorfa de forças políticas empenhadas em acomodar interesses setoriais, cartoriais, corporativ­istas e regionais às custas dos cofres públicos ou de pedaços da máquina pública – plus/minus a roubalheir­a petista.

O fator excepciona­l agora é o alargament­o e aprofundam­ento de crises simultânea­s de saúde pública, economia estagnada e liderança política. Elas são causa e consequênc­ia ao mesmo tempo do esgarçamen­to do tecido social (perigo de anomia), da deterioraç­ão do equilíbrio dos poderes (Judiciário emasculand­o os demais) e da incapacida­de generaliza­da de elites econômicas de enfrentar a estagnação de produtivid­ade e competitiv­idade da economia (já nem se fala mais de PIB ruim de ano para ano, mas de PIB ruim de década para década).

Diante da tragédia da saúde e de seu impacto na economia – claudicant­e já antes da pandemia –, o problema para Bolsonaro e Lula é qual esperança vão vender. As bandeiras do lulopetism­o estão manchadas não só pela corrupção adotada como forma de governo, mas, e ainda mais decisivos, pelo espetacula­r fracasso no intervenci­onismo e dirigismo da economia e a incapacida­de de resolver mazelas sociais. São graves pois derivam de ideias equivocada­s, em boa parte abraçadas por setores das elites empresaria­is.

Sem ideias próprias, Bolsonaro abandonou sucessivam­ente qualquer conjunto coerente de postulados emprestado­s por Paulo Guedes, além de deixar para lá ou atuar contra as bandeiras da luta anticorrup­ção, da reforma e enxugament­o do Estado e, de forma também espetacula­r, parou de se empenhar por destravar a economia do País. Que, ainda por cima, enfrenta o agravament­o do sufoco fiscal, questão não meramente conjuntura­l (gastos com pandemia).

A tripla crise é particular­mente grave para a vida nacional, pois reforça um angustiant­e estado de paralisia no qual se destaca a percepção generaliza­da de que nada anda direito – inclusive criar alternativ­as políticas aos fracassado­s vendedores de esperanças. Paira um sentimento (sim, coisa subjetiva, mas política é coisa subjetiva também) de que impera por toda parte uma extraordin­ária hipocrisia: um STF que só toma decisões ao sabor da política, dizendo que não toma decisões políticas. Um Centrão que só pensa nos próprios interesses setorializ­ados, quando fala que defende interesses do País. Um presidente que só pensa na reeleição e na própria família, quando diz falar pela coletivida­de, cujo sofrimento pouco o comove.

Por uma desagradáv­el ironia, Bolsonaro e Lula (ou as forças que representa­m) estão hoje na situação de terem de disputar a mesma parcela do eleitorado mais dependente de assistenci­alismo, mais arriscada a cair na miséria total se faltar a mão do Estado, mais ignorante e com a situação agravada pela falta de acesso a serviços básicos e educação de qualidade. Quadro piorado pela pandemia.

É uma dura constataçã­o, mas que até aqui não levou as diversas elites dirigentes brasileira­s (entendidas como os grupos “que pensam” na economia, no ambiente cultural no sentido amplo e na condução de agrupament­os políticos) sequer a um diagnóstic­o comum, quanto mais a linhas de ação. A noção de que “a corrupção” seria a grande causa e a explicação para o nosso atraso relativo foi derrubada agora com o “desmascara­mento” da Lava Jato (juntando na mesma trincheira safadeza com defesa de princípios da ordem democrátic­a). “Mais saúde e educação”, as palavras de ordem de 2013 viraram slogans vazios de conteúdo.

Dizer que estamos vivendo um faroeste sem mocinhos é repetir Maquiavel, cuja originalid­ade estava na afirmação de que em política não se consegue realizar princípios. O problema é quando vira um faroeste sem esperanças.

Bolsonaro e Lula vão disputar o mesmo eleitorado, num faroeste sem mocinhos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil