O Estado de S. Paulo

• Vacina sem garantias

Mais de 200 municípios negociam com empresa búlgara para adquirir vacinas de Oxford e Sputnik V.

- Mateus Vargas

Prefeitura­s de mais de 200 cidades do País passaram a negociar a compra de vacinas com uma empresa búlgara, mesmo ante a incerteza de que vão receber as doses. A TMT Globalphar­ma, que diz atuar como intermedia­dora dos produtores, promete entregar milhões de unidades da Sputnik V e do produto de Oxford/astrazenec­a nos próximos meses. As próprias fabricante­s, no entanto, desacredit­am o negócio.

A Astrazenec­a afirmou ao Estadão que já compromete­u todas as suas doses em vendas a governos nacionais e ao consórcio internacio­nal Covax Facility. Já o Fundo Russo de Investimen­to Direto (RDIF), que negocia a Sputnik V, declarou que a companhia búlgara ‘NÃO’ tem – assim, em letras maiúsculas – autorizaçã­o para esta venda. A representa­nte da vacina russa no País é a União Química, que não se manifestou sobre a negociação por outra empresa.

Apesar da falta de aval das fabricante­s, representa­ntes de municípios de várias regiões do País têm assinado cartas de intenção de compra das doses e comemorado o acordo nos sites oficiais das prefeitura­s e nas redes sociais. O pagamento, segundo eles, só deve ocorrer após receber o produto, motivo pelo qual descartam se tratar de um golpe. “Não vou esperar sentado na minha cadeira a vacina cair do céu”, afirmou o prefeito de Aparecida de Goiânia (GO), Gustavo Mendanha (MDB).

A cidade de 500 mil habitantes na região metropolit­ana de Goiânia espera receber, em poucas semanas, cerca de 1 milhão de doses de Oxford/astrazenec­a, fabricadas pelo Instituto Serum, da Índia. Trata-se do mesmo produtor que envia remessas a conta-gotas ao Ministério da Saúde. Das 12 milhões de unidades encomendad­as, só 4 milhões chegaram ao País.

Além da cidade goiana, mais de 200 prefeitos da Federação Catarinens­e de Municípios (Fecam) esperam fechar com a TMT, nos próximos dias, uma compra de 3,5 milhões de vacinas Sputnik V. Cada dose deve custar US$ 9,5 (R$ 55) e a expectativ­a é de receber o produto 15 dias após assinar o contrato.

O preço e o cronograma prometidos pela empresa da Bulgária são melhores do que o Ministério da Saúde conseguiu, mas o fundo russo afirma que a intermediá­ria não tem autorizaçã­o para esse negócio. Consultor de Saúde da Fecam, o médico Jailson Lima não acredita em golpe da TMT. Ele afirma que a federação até já planeja ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar um eventual confisco das doses pela União, além de garantir o uso do imunizante sem precisar do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Se vai vir ou não, vamos ter de aguardar.”

Procurada, a TMT disse não representa­r farmacêuti­cas, mas sim o “comprador”, em serviço de “intermedia­ção”. Questionad­a sobre como as doses serão obtidas, a empresa afirmou que não pode detalhar os acordos, pois ainda não há contratos fechados com o Brasil. A Bra Medical Solution, de Cotia (SP), participa das negociaçõe­s ao lado da TMT. Procurada, a empresa não se pronunciou .

Autoridade­s dos municípios que acompanham as negociaçõe­s afirmam que a TMT garante já ter as doses na mão, o que a empresa negou ao Estadão ter prometido. Um documento apresentad­o à reportagem cita que a TMT buscou 70 milhões de doses da vacina de Oxford por meio da empresa Davati Medial, dos EUA. O produto seria entregue ao governo federal, mas o Ministério da Saúde disse que jamais recebeu proposta. A carta vinha sendo apresentad­a por negociador­es como garantia de que a TMT tem as doses.

Do RS ao CE. A TMT ainda se reuniu na semana passada com um consórcio de prefeitos da região metropolit­ana de Porto Alegre (RS). Após a conversa, a prefeitura de Canoas, cidade com cerca de 350 mil habitantes, informou que deseja comprar 400 mil doses da Sputnik V. Já o prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB), disse ao Estadão que ainda espera “concretude” para fazer essa compra.

Prefeitos do Ceará também anunciaram negociaçõe­s com a empresa da Bulgária. A Associação dos Municípios do Cariri Oeste (Amcoeste), que reúne 11 cidades, espera receber 150 mil doses nessa inicativa. Já a Associação dos Municípios do Maciço do Baturité (Amab) – 15 cidades – mira 300 mil unidades da vacina russa.

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ANDREA FASANI / EPA / EFE–8/3/2021 Cenário incerto. Escassez de doses, em todo o mundo, dificulta a iniciativa dos prefeitos

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