Caos chega ao frete global e eleva custo do transporte marítimo
Pandemia interrompeu comércio internacional e adicionou um novo desafio à recuperação econômica mundial
No mar da costa de Los Angeles, mais de duas dezenas de navios de contêineres repletos de bicicletas ergométricas, eletrônicos e outros cobiçados produtos importados estão parados há até duas semanas. Em Kansas City, agricultores estão com dificuldades para enviar soja a clientes na Ásia. Na China, móveis destinados à América do Norte se acumulam nas fábricas.
Em todo o planeta, a pandemia prejudicou o comércio em um grau extraordinário, elevando o custo de frete das mercadorias e adicionando um novo desafio à recuperação da economia. O vírus causou confusão na coreografia das cargas enviadas de um continente a outro.
No centro da tempestade está o frete de contêineres, a força motriz da globalização.
Os pedidos americanos confinados em suas casas para as fábricas na China cresceram e muitas dessas mercadorias são transportadas pelo Pacífico em contêineres. Enquanto os lares americanos encheram os quartos com móveis de escritório e os porões com esteiras ergométricas, a demanda por frete superou a disponibilidade de contêineres na Ásia, provocando uma escassez no continente no momento em que os compartimentos se acumulam em portos americanos.
Contêineres que levaram milhões de máscaras a países da África e da América do Sul no início da pandemia continuam por lá, vazios e abandonados, porque as empresas concentraram suas embarcações nas rotas mais populares – que ligam a América do Norte e a Europa à Ásia.
E, nos portos que recebem os navios, repletos de mercadorias para descarregar, as embarcações ficam frequentemente encalhadas por dias, em engarrafamentos de trânsito marítimo. A pandemia e suas restrições limitaram a disponibilidade de trabalhadores de docas e caminhoneiros, causando atrasos no transportes de cargas que são sentidos do sul da Califórnia até Cingapura. Todo contêiner que não pode ser descarregado em um local é um contêiner que não poderá ser carregado em outro lugar.
“Eu nunca vi nada assim”, afirmou Lars Mikael Jensen, diretor para Integração Oceânica Global da A.P. Moller-maersk, a maior transportadora de cargas do mundo. “Todos os eixos da cadeia de abastecimento estão sobrecarregados. Os navios, os caminhões, os armazéns.”
Mar revolto. Economias de todo o mundo estão sofrendo com as oscilações causadas pelas perturbações nos mares. Custos mais elevados no transporte de grãos e soja dos EUA pelo Pacífico ameaçam elevar o preço da comida na Ásia. Contêineres vazios estão estacionados em portos da Austrália e da Nova Zelândia; contêineres são escassos no porto indiano de Calcutá, forçando fabricantes de componentes para produtos eletrônicos a enviar sua mercadoria de caminhão para o porto de Mumbai, 1,6 mil quilômetros a oeste, onde a cadeia de abastecimento funciona melhor.
O caos nos mares ocasionou uma bonança entre empresas de transporte de cargas como a Maersk, que, em fevereiro, citou um crescimento recorde nos preços do frete ao informar um ganho de mais de US$ 2,7 bilhões no faturamento não tributado nos últimos três meses de 2020.
Ninguém sabe por quanto tempo esse transtorno durará, ainda que alguns especialistas estimem que os contêineres continuarão escassos até o fim do ano, enquanto as fábricas que os produzem – quase todas na China – se apressam para acompanhar a demanda.
E assim tem início o caos. Mais de uma década atrás, durante a crise financeira global, empresas de frete foram devastadas. Enquanto um misterioso vírus emergia da China, no ano passado, fazendo com que o governo do país fechasse fábricas para evitar sua disseminação, a indústria de frete se preparou para uma reprise. Transportadoras cortaram serviços, paralisando muitas embarcações.
A pressão aumentou quando os americanos reformularam sua maneira de gastar. Privados de suas viagens de férias e refeições em restaurantes, eles passaram a comprar mais consoles de videogame e batedeiras de massas – e a reformar suas casas para o trabalho remoto e o ensino a distância.
A quantidade de equipamentos para exercícios físicos transportados por contêineres da Ásia para a América do Norte mais que dobrou entre setembro e novembro, em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com análise da Sea-intelligence, uma empresa de pesquisas com base em Copenhague. Os carregamentos de fogões e utensílios de cozinha quase dobraram nesse período. O transporte de desinfetantes aumentou mais de 6.800%. “Todo crescimento que ocorreu foi basicamente induzido pela pandemia”, afirmou Alan Murphy, fundador do grupo de pesquisa.
Analisado de maneira ampla, o volume de comércio global teve queda de somente 1% em 2020 em comparação com o ano anterior. Mas esse número não reflete a maneira como o período se desdobrou – com uma queda de mais de 12% entre abril e maio seguida de uma retomada igualmente dramática. O sistema não conseguiu se ajustar, contêineres foram enviados a lugares errados, e os preços do frete alcançaram altas estratosféricas.
A empresa de Peter Baum em
Nova York, a Baum-essex, usa fábricas na China e no Sudeste Asiático para produzir guardachuvas para a Costco, sacolas de algodão para o Walmart e cerâmicas para a Bed Bath & Beyond. Seis meses atrás, ele pagava cerca de US$ 2,5 mil para enviar um contêiner de 12 metros para a Califórnia. “Acabamos de pagar US$ 67 mil por isso”, afirmou ele. “É o maior preço de frete que já vi em 45 anos de negócios.”
Nos portos de Los Angeles e Long Beach, a descarga foi atrasada por uma escassez de trabalhadores de docas e caminhoneiros, enquanto o vírus deixou alguns doentes e forçou outros a fazer quarentena. “Espera-se que a diminuição no volume continue até o começo do segundo semestre”, afirmou o diretor do porto de Los Angeles, Gene Seroka, em reunião de diretoria.
Os navios na costa de Los Angeles esgotaram os atracadouros disponíveis, tendo de apelar para as chamadas vagas de deriva – zonas em que eles podem flutuar livremente, como aviões que circulam aeroportos congestionados.
Cenário incerto. Nas semanas recentes, navios de carga transportaram intensamente contêineres vazios para a Ásia, aumentando sua disponibilidade no continente, de acordo com dados da Container x Change, uma consultoria alemã. Alguns especialistas assumem que, conforme a vacinação aumentar e a vida retornar à normalidade, os americanos retomarão seus gastos habituais, reduzindo a necessidade por contêineres.
Mesmo quando isso acontecer, porém, os varejistas começarão a formar seus estoques para as vendas de fim de ano.
O plano de estímulo ao consumo que tramita no Congresso deve gerar contratações, que, por sua vez, ocasionarão outra onda de consumo. “Poderá haver uma outra subcategoria de consumidores totalmente diferente que não conseguia consumir antes”, afirmou Michael Brown, analista de contêineres da KBW, em Nova York. “Estamos potencialmente diante de um longo período de escassez.”