O Estado de S. Paulo

Há um lugar onde o tempo para

- JOÃO WADY CURY E-MAIL: JOAO.CURY@ESTADAO.COM

Oser humano, esse aposentado da vida, encostadão por princípio e convicção, não bastasse esse defeito de fabricação carrega consigo certas suposições equivocada­s. A pandeca pode ser demoníaca, mas não significa imobilismo absoluto. É só da cintura pra baixo, a ponto de um dia você se perguntar: para que pernas? Acima dessa linha do Equador imaginária, que é a cintura, será possível gritar, cheios de som e fúria e com o cérebro em riste: a vida é mais do que o Google! ÁCAROS DIGITAIS Biblioteca­s virtuais estão aí para provar que, assim como nas convencion­ais, a sensação é a de que o tempo para. Antes que você comece a se debater loucamente como um baiacu fora d’água pense na quantidade de estantes que poderá visitar com umas dedadas no celular ou cliques no mouse. São mais de 200 mil biblioteca­s ao redor do globo, contando somente as públicas. Claro, não precisamos de tudo isso, até porque demandaria uma centena de vidas para esgotar todo esse conteúdo.

A Biblioteca Nacional de Portugal (bndigital.bnportugal. gov.pt/explorar-colecoes) é um portento. Rica em documentos depositado­s ali desde o século 10, o conteúdo pode ser visto com facilidade, como a Prática da Arte de Navegar, escrita pelo cosmógrafo-mor Luis Serrão Pimentel em 1673. Não ficamos muito atrás graças ao Centro de Pesquisa e Documentaç­ão de História Contemporâ­nea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas. Pelo acervo do CPDOC (fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo) passa boa parte da história brasileira, que pode ser pesquisada por nomes de pessoas ou temas, além de arquivos pessoais de expoentes políticos e o Dicionário Histórico-biográfico Brasileiro. O site é antigo e precisaria ser modernizad­o, mas, ainda assim, é capaz de garantir alguns anos de alegria incontida ao ser humano. A Biblioteca do Congresso norte-americano (loc.gov) e a British Library (bl.uk) são caso à parte. Melhor pedir uma prorrogaçã­o nesse troço a que chamam de vida.

É possível que um dia todos os conteúdos de biblioteca­s do planeta estejam digitaliza­dos. E mesmo que você reclame, romanticam­ente falando, e diga que folhear livros é muito melhor do que a insipidez das telas, no que eu até poderia concordar, há pelo menos uma vantagem no amontoado de dígitos binários. Estaremos legando à extinção pobres criaturas, como ácaros, traças, baratas e ratos. Pelo menos nas biblioteca­s. É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DO INFANTIL ‘ZIIIM’ E DE ‘ENQUANTO ELES CHORAM, EU VENDO LENÇOS’

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JOÃO WADY CURY Em Lisboa. Biblioteca rica em documentos

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