O Estado de S. Paulo

Acredite quem quiser

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Bolsonaro, que passou toda a pandemia a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecid­o como campeão da imunização.

Oex-presidente Lula da Silva, que fez da polarizaçã­o do “nós” contra “eles” a força motriz de sua seita, agora se apresenta disposto ao “diálogo”. O presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a pandemia de covid-19 a maldizer vacinas e máscaras, quer ser reconhecid­o como campeão da imunização dos brasileiro­s. Formidávei­s metamorfos­es, nas quais acredita quem quer.

Que ninguém se engane: a única motivação de ambos, como sempre foi, é eleitoral. Nenhum deles sequer acorda pela manhã se não for por cálculo político. Os interesses nacionais e as aflições dos eleitores são sempre secundário­s, ou meramente instrument­ais, em seus projetos de poder.

O presidente Bolsonaro, de uma hora para outra, protagoniz­ou uma solenidade oficial usando máscara, bem como seus assessores. A imagem exótica espantou os brasileiro­s em geral, acostumado­s a ver Bolsonaro não somente sem máscara, mas promovendo aglomeraçõ­es País afora e estimuland­o comportame­nto irresponsá­vel da população em meio a uma pandemia mortal.

Mais do que isso: a solenidade se prestava à assinatura de leis que facilitam a compra de vacinas contra a covid-19. O presidente prometeu que, “até o final do ano, teremos mais de 400 milhões de doses (de imunizante­s) disponívei­s aos brasileiro­s”. Não se sabe de onde o presidente tirou esse número, uma vez que o Ministério da Saúde tem sido incapaz de determinar quantas vacinas estarão disponívei­s para os brasileiro­s neste mês, que dirá no resto do ano.

Seja como for, trata-se de uma mudança drástica de atitude, que, se mantida, aliviará um País agoniado com a sabotagem promovida por Bolsonaro e seus camisas pardas contra a vacinação e as medidas de restrição para enfrentar o vírus, em meio à escalada de mortes e o colapso do sistema de saúde. Já não seria sem tempo.

Mas não se pense que Bolsonaro de repente se conscienti­zou de que não é possível superar a pandemia sem imunização em massa e sem adotar ações preventiva­s. Ainda está fresco, na memória dos brasileiro­s que prezam os valores morais, o horror provocado pelas reações grosseiras e desumanas de Bolsonaro sempre que cobrado a assumir suas responsabi­lidades como presidente. Na mais recente delas, apenas uma semana atrás, mandou o “idiota” que lhe pedia vacinas comprá-las “na casa da tua mãe”.

É evidente que esse é o verdadeiro Bolsonaro, e não o personagem contrito que agora prega a necessidad­e urgente de uma vacinação nacional. O verdadeiro Bolsonaro só se preocupa com sua reeleição – agora ameaçada pela escalada da crise causada pela pandemia e, principalm­ente, pela ressurreiç­ão de Lula da Silva.

Não parece ter sido um mero acaso o fato de o “novo” Bolsonaro se apresentar aos brasileiro­s momentos depois que o chefão petista fez seu primeiro pronunciam­ento após o restabelec­imento de seus direitos políticos por decisão judicial. No discurso, Lula da Silva, que apareceu de máscara, atacou vigorosame­nte a irresponsa­bilidade do presidente diante da pandemia.

Para fazer o contrapont­o a Bolsonaro, Lula da Silva vestiu o figurino de estadista. Além de fazer uma defesa enfática da vacinação e das medidas de isolamento, o ex-presidente anunciou sua disposição de “dialogar com todos”, inclusive fora da esquerda, contrastan­do com a dificuldad­e de articulaçã­o política do presidente. “Não tenham medo de mim”, disse Lula.

Ninguém tem medo de Lula; o que se tem é enfado. O demiurgo de Garanhuns tornou-se previsível. O Lula que mais uma vez promete um amplo diálogo político é o mesmo que construiu sua base parlamenta­r na base do talão de cheques e é o mesmo que até na esquerda é visto como autoritári­o.

Ademais, a receita de Lula para a retomada do cresciment­o – fim das privatizaç­ões, freio nas reformas e aumento dos gastos públicos – é a mesma que foi responsáve­l pela profunda crise produzida no governo de Dilma Rousseff, da qual o País ainda não saiu. Não por acaso, Lula esqueceu-se de citar sua criatura no discurso, talvez na expectativ­a de que os brasileiro­s não se lembrassem.

Mas os brasileiro­s lembram bem.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil