O Estado de S. Paulo

Um país fora dos padrões

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Desemprego alto e governo lento elevam incerteza e travam a reação econômica.

Campeão do desemprego entre os grandes países emergentes, o Brasil precisa do auxílio especial aos mais pobres como forma de conter uma catástrofe. Com 13,9 milhões de pessoas em busca de uma vaga, número equivalent­e a 13,9% da força de trabalho, o País fechou 2020 com o dobro da desocupaçã­o registrada na OCDE, a Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico. No trimestre final do ano passado, os desocupado­s eram, em média, 6,9% da população ativa dos 37 países da organizaçã­o. A taxa ficou abaixo de 10%, nesse período, em 32 desses países. Nas três maiores economias do grupo, foi inferior a 7%: nos Estados Unidos, 6,8%; no Japão, 3%; e na Alemanha, 4,6%.

O desemprego muito alto, no entanto, mostra apenas a parte mais visível, e de maior efeito imediato, dos problemas do mercado de trabalho. O subemprego continuou muito amplo, os desalentad­os eram 5,5% da força de trabalho e 39,5% dos ocupados – por conta própria ou assalariad­os – estavam na informalid­ade. Em 15 Estados a informalid­ade superou 45% da população ocupada. Em 9, todos do Norte e do Nordeste, ultrapasso­u 50%.

Dezenas de milhões das famílias mais vulnerávei­s puderam viver um pouco melhor, no ano passado, com o auxílio emergencia­l. Interrompi­da a partir de janeiro, essa ajuda agora deve voltar. Com isso, as famílias mais pobres terão garantida pelo menos a alimentaçã­o ou alguma alimentaçã­o. Mesmo com ajuda, o acesso à comida está muito complicado. Depois das altas no segundo semestre de 2020, os alimentos continuam caros, as pressões inflacioná­rias são preocupant­es.

O dólar instável – por motivos políticos e pela ampla incerteza econômica – segue afetando os preços no mercado interno. Para diminuir a instabilid­ade, o Banco Central (BC) tem atuado no mercado cambial por meio de leilões de moeda americana. Pelo menos dispõe de bom volume de reservas para isso, mas o governo deveria dar mais atenção às oscilações do câmbio. Isso vale principalm­ente para o presidente Jair Bolsonaro, maior fonte, desde o ano passado, de instabilid­ade no mercado cambial.

Imprevidên­cia e descuido, no entanto, são marcas da maior parte do governo. Como se os piores efeitos da pandemia devessem acabar em 31 de dezembro, a equipe econômica negligenci­ou, ao desenhar a proposta de Orçamento para 2021, as ações especiais de enfrentame­nto da crise. Por isso o auxílio emergencia­l desaparece­u muito cedo, embora milhões de famílias precisasse­m de ajuda para as despesas mais importante­s. Sem um claro programa de socorro aos necessitad­os, de sustentaçã­o da retomada econômica e de arrumação de suas contas, o governo contribuiu amplamente para o aumento da incerteza, para a redução da confiança de empresário­s e consumidor­es e para a instabilid­ade no mercado financeiro.

Com a péssima atuação do poder federal no enfrentame­nto da pandemia a inseguranç­a aumentou. O negacionis­mo do presidente, seu continuado desprezo à vida dos brasileiro­s, a incompetên­cia do ministro da Saúde e a imprevidên­cia em relação à compra e à aplicação de vacinas agravaram o quadro sanitário e afetaram as expectativ­as econômicas.

Nos países onde a vacinação avançou e as medidas preventiva­s básicas foram reforçadas, têm melhorado os indicadore­s de atividade corrente e de expectativ­a. Isso é evidenciad­o, por exemplo, pelos Barômetros Globais da Economia, elaborados em colaboraçã­o pelo Instituto Econômico Suíço KOF, de Zurique, e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Puxado pelo desempenho desses países, o barômetro coincident­e subiu 4,5 pontos em março e chegou a 102,4 pontos. O barômetro global antecedent­e atingiu 117 pontos, com ganho de 11,9 pontos. No primeiro caso foi alcançado o nível mais alto desde dezembro de 2017. No segundo, a maior pontuação desde junho de 2010.

Enquanto isso, no Brasil, esgotam-se as vagas em hospitais nas grandes cidades, recordes de contaminaç­ão e mortes se sucedem, os muito pobres esperam a ajuda emergencia­l, as projeções econômicas pioram e o presidente se volta ainda mais para seu projeto de reeleição.

Desemprego alto e governo lento elevam incerteza e travam a reação econômica

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