‘Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios’
Líder do Partido Liberal, opositor ao governo, acredita que só o impeachment encerrará os protestos no Paraguai
Após uma semana de protestos contra o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, em razão da falta de vacinas e medicamentos para tratar pacientes com covid-19, os opositores pedem seu impeachment. Efraín Alegre, líder do Partido Liberal e ex-candidato presidencial derrotado por Benítez e Horacio Cartes nas duas últimas eleições, afirmou ao Estadão que o “Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios”. A seguir, trechos da conversa com Alegre.
• Como o sr. vê o momento político do Paraguai?
Há uma mobilização importante nas ruas, pedindo a renúncia do presidente Abdo Benítez e do vice (Hugo) Velázquez diante da grande decepção com a gestão da pandemia e com a corrupção escandalosa. Nas últimas semanas, o sistema de saúde vem entrando em colapso, com falta de medicamentos. Além disso, há uma falta de previsão de vacinas. Somos o único país que não comprou as vacinas para responder a essa pandemia. E o governo já vinha desgastado, a aprovação de Abdo Benítez é ruim, ele sobreviveu a um julgamento político faz pouco mais de um ano, após um acordo com o ex-presidente Horacio Cartes, que é o poder por trás do poder. O colapso sanitário causou as manifestações que hoje se estendem por todo o país. A posição cidadã é irreversível.
• Como líder opositor, o sr. tentou dialogar para conter a crise?
Não. Na verdade, esse governo já vem sendo questionado pela corrupção. O que fizemos, todos os presidentes de partidos opositores, foi nos sentarmos à mesa de negociação e, de forma conjunta e unânime, decidimos dar prosseguimento ao pedido de julgamento político.
• E quando esse pedido será apresentado? Quais são os próximos passos?
Neste momento, os deputados liberais estão trabalhando na documentação necessária para apresentar. Acho que em dois dias apresentaremos o impeachment ao Congresso.
• Como foi a negociação com os outros partidos opositores? Basicamente, há um ponto em comum entre nós: considerar que existe um modelo corrupto há muito tempo aqui, há mais de 60 anos. Dizemos que temos um monstro de duas cabeças governando o Paraguai, sendo uma Cartes, o ex-presidente que exerce o poder por trás do poder e é muito questionado por estar envolvido em negócios ilegais, como contrabando de cigarro, como vocês no Brasil devem saber bem por serem vítimas disso. Abdo Benítez precisa de Cartes para impedir o julgamento político e o outro (Cartes) precisa do governo para ter cumplicidade e manter seus negócios. E falamos de volumes importantes, em torno de US$ 500 milhões por ano é o que representa o contrabando de cigarros. Temos dois pontos importantes na discussão: o Congresso Nacional, onde unidos Abdo Benítez e Cartes têm maioria para evitar o impeachment. Mas, por outro lado, temos uma população mobilizada nas ruas.
• Como convencer a ala cartista a apoiar o julgamento político?
Acredito que o Congresso terá de escutar o clamor dos paraguaios. Essa é uma mobilização cidadã autoconvocada. O povo exige uma mudança. Se olharmos friamente para os números, não temos como começar o julgamento político. Mas temos um antecedente: a emenda que Cartes quis passar para ter a reeleição. O Congresso passaria, mas a população foi protestar e os deputados disseram ‘não’ à reeleição. Diante da mobilização, o Congresso reverteu seu voto. Estamos numa situação parecida.
• Por que o presidente não se pronunciou publicamente?
Acho que o presidente está em uma situação muito delicada, porque sua resposta diante da reclamação cidadã foi mudar ministros. Isso foi irrelevante para o povo, que pede claramente sua renúncia.
• Em caso de impeachment, a oposição já tem um plano, principalmente para a saúde?
Com certeza. Em tema de saúde, temos trabalhado, até para as últimas eleições, com uma equipe muito importante, com ministros da Saúde com gestão bem-sucedida no governo de Fernando Lugo. Há experiência para mostrar que, com boa gestão, o sistema de saúde pode funcionar muito bem. Não é um problema de recursos, como querem nos fazer acreditar. A questão é a corrupção que dominou até agora o governo.
• Já existe alguma conversa com outros países para a eventual compra de mais vacinas?
Teremos de ver o que é possível fazer. Lamentavelmente, o governo perdeu um tempo importante, porque tinha os recursos para comprar as vacinas e medicamentos e isso não foi feito. Já pagamos por medicamentos e vacinas e não temos aqui. Teremos de mendigar, e isso é lamentável. É humilhante ver um presidente mendigando vacinas em um país que possui os recursos necessários para isso.
• O sr. pensa em sair candidato, caso haja impeachment?
Isso vamos ver. Com certeza participaremos do processo eleitoral, se houver. Mas não definimos nomes.
• Há conversas com outros partidos opositores sobre isso?
Não. Ainda não falamos de candidaturas e eleição, apenas da crise e da posição conjunta entre todos. Estamos conversando para acompanhar esse processo cidadão e vamos acompanhar as próximas etapas.
Efraín Alegre Líder opositor paraguaio
✽ Líder do Partido Liberal, maior de oposição, e ex-candidato presidencial nas duas últimas eleições no Paraguai.