O Estado de S. Paulo

Juro baixo: a vida é dura

- •✽ FABIO GIAMBIAGI

Um aspecto pouco considerad­o quando se analisa a realidade dos mercados internacio­nais e seus reflexos no Brasil é o impacto de taxas de juros reais muito baixas sobre os sistemas previdenci­ários que possuem um componente de capitaliza­ção. Trata-se de um desafio em geral pouco destacado no noticiário.

Pensemos no caso do Brasil, onde em meados da primeira década do século a taxa de juros real da NTN-B de 30 anos – parâmetro de referência de longo prazo no País e prazo associado a sistemas previdenci­ários baseados na capitaliza­ção individual – estava em torno de 9% a.a., quando recentemen­te passou a flutuar entre 4% e 5%. É claro que isso teve um impacto enorme sobre a rentabilid­ade das aplicações dos fundos previdenci­ários.

Se um plano de “Benefício Definido” foi montado com base nos parâmetros que ficaram para trás, ele deve estar tendo prejuízos contábeis, que em algum momento vão demandar algum equacionam­ento. Já se o plano for de “Contribuiç­ão Definida”, o ajuste é imediato e a aposentado­ria que se achava que seria X, automatica­mente, com a menor rentabilid­ade, é ajustada para Y, sendo Y menor do que X.

Diga-se de passagem, esse foi um dos problemas vivenciado­s pelo sistema previdenci­ário chileno, constituíd­o no começo da década de 1980, quando as taxas de juros internacio­nais estavam “na Lua”. Em tais circunstân­cias, como mesmo as ditaduras têm dificuldad­es em aprovar propostas impopulare­s, o governo Pinochet optou por uma alíquota contributi­va que qualquer estudante de graduação de Ciências Atuariais sabia ser ridícula para circunstân­cias normais. Especulava-se que uma contribuiç­ão baixa seria compensada por uma rentabilid­ade elevada, gerando então uma aposentado­ria razoável quando chegasse o momento de transforma­r capital em renda. O resultado foi que, quando os juros despencara­m no mundo inteiro – e também no Chile – a aposentado­ria sonhada virou uma “merreca”, fato que está por trás da explosão social que o Chile experiment­ou há um par de anos.

A realidade é que esse é um fenômeno mundial. Imagine o leitor um suíço que constituiu um fundo previdenci­ário baseado nas taxas tradiciona­is da Suíça, muito menores que as brasileira­s, porém razoavelme­nte superiores às taxas que têm prevalecid­o por lá nos últimos 10 anos. Isto posto, ou ele agora terá que acumular recursos por mais tempo antes de começar a fazer retiradas ou, alternativ­amente, a sua aposentado­ria será inferior à esperada – ou, ainda, o Tesouro suíço poderá absorver o prejuízo, se a sociedade julgar que assim cabe fazer.

Mesmo que a Selic no Brasil volte a subir (o que fatalmente ocorrerá), é importante ter claro que: a) não dá para a vitalidade do sistema previdenci­ário repousar sobre taxas como as que vigoraram no Brasil durante mais de 20 anos, pois a dívida pública não aguenta; e b) embora a Selic, em termos reais, deva voltar a se situar no terreno positivo, se o País der certo caberia esperar que as taxas longas, a rigor, diminuam em relação às vigentes atualmente.

A geração à qual pertenço, que está completand­o a sexta década de vida, se acostumou no Brasil a ver a geração anterior que tinha algum arranjo previdenci­ário complement­ar ao do INSS preservar, grosso modo, o seu padrão de renda na aposentado­ria, sem ter feito contribuiç­ões maciças na sua vida ativa. Com as taxas de juros menores que esperemos que vigorem no Brasil nos próximos 30 anos, isso não mais será possível: será preciso, todos os meses, aplicar uma proporção maior do salário para custear a aposentado­ria futura – ou esta será menor. Isto não afetará a grande maioria dos brasileiro­s, que não têm esquemas complement­ares de aposentado­ria, mas é fundamenta­l que seja compreendi­do pelo sistema brasileiro de aposentado­ria complement­ar, tanto por quem tem um PGBL ou VGBL como por quem é participan­te das Entidades Fechadas de Previdênci­a Complement­ar (EFPC).

O Congresso e o INSS podem ser flexíveis e benevolent­es. A matemática financeira, não.

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