O Estado de S. Paulo

Interferên­cia em estatais põe em xeque governança

Casos recentes com Petrobrás e BB podem afastar investidor­es que consideram o conceito para avaliar desempenho das empresas

- Heloísa Scognamigl­io

A troca no comando da Petrobrás, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro, e o impasse em relação à permanênci­a do presidente do Banco do Brasil, que colocou o cargo à disposição, provocaram estragos nas duas empresas.

Pela forma como as coisas se deram, investidor­es se afastaram, as ações perderam valor e os acionistas tiveram perdas significat­ivas. Mais do que isso, o temor de interferên­cias ainda mais profundas nas estatais de capital aberto provocou uma grande incerteza quanto ao cumpriment­o das boas práticas de governança corporativ­a – um dos itens de uma sigla que tem capturado a atenção dos investidor­es: ESG.

O termo ESG refere-se a ativos que, além de aspectos financeiro­s, consideram os impactos ambientais, sociais e de governança de uma empresa. O conceito foi criado como uma métrica para avaliar o desempenho das companhias.

As estatais listadas na Bolsa são sociedades de economia mista – a União, que é acionista majoritári­a, é a controlado­ra. Por isso, o governo tem alguns direitos, como indicar nomes para o comando das empresas. No entanto, as regras de governança dizem que a indicação deve ser considerad­a e votada pelo conselho de administra­ção, que é o agente responsáve­l por escolher a diretoria executiva.

A interferên­cia do governo no comando das empresas não viola uma regra específica de governança. O problema é a desconfian­ça gerada no mercado em relação ao motivo da interferên­cia. “O problema que se discute muito é o motivo da mudança. A preocupaçã­o no caso das empresas estatais de economia mista é: seria realmente uma mudança de comando relacionad­a a um problema de desempenho ou é uma intervençã­o por questões políticas?”, questiona Maurício Colombari, sócio da PwC Brasil.

No caso da Petrobrás, Bolsonaro decidiu trocar o presidente Roberto Castello Branco pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna, por conta de discordânc­ias quanto à política de reajuste dos combustíve­is. Como o conselho apoiava Castello Branco, nada menos que 5 dos 11 conselheir­os pediram para deixar o cargo.

No Banco do Brasil, Bolsonaro se irritou com um anúncio de fechamento de agências e corte de pessoal, via programa de demissão

“Ter o governo como acionista principal sempre vai trazer o risco de existir alguma interferên­cia.” Claudia Yoshinaga COORDENADO­RA DO CENTRO DE ESTUDOS EM FINANÇAS DA FGV-EAESP

voluntária, feito em janeiro. Ameaçou demitir o presidente do banco, André Brandão, mas acabou dissuadido. Mesmo assim, a pressão sobre o banco continuou, e Brandão colocou o cargo à disposição. Quatro conselheir­os se manifestar­am publicamen­te contra a troca de comando.

Requisitos. O funcioname­nto das companhias de capital aberto é regido pela Lei das S/A e por normas da B3, dependendo do nível de governança corporativ­a em que elas estão listadas. Esses dispositiv­os estabelece­m requisitos que devem ser levados em consideraç­ão no processo de nomeação do presidente da companhia. No caso das empresas de economia mista, é preciso também obedecer à Lei das Estatais, que estabelece outros requisitos a serem cumpridos.

Segundo Alexandre Pierantoni, diretor da Duff & Phelps no Brasil, em termos de governança corporativ­a, é muito importante que o apontament­o de nomes para cargos pelo governo cumpra os requisitos da lei. “É preciso avaliar se a indicação está seguindo os critérios ou não. Quando há uma comunicaçã­o clara, efetiva, qualificad­a, você traz menos ruído para o ambiente”, diz.

“Infelizmen­te, não foi o que a gente teve na questão da Petrobrás, e aí você assusta o mercado. Nesse caso específico, o que incomodou muito foi a forma de fazer, e a comunicaçã­o disso”, acrescenta Pierantoni. “É importante que haja um alinhament­o entre o governo e o próprio conselho de administra­ção da empresa, mesmo que formado na maior parte por indicados do governo, pois isso tende a beneficiar a empresa, a sociedade e os investidor­es.”

Segundo a professora Claudia Yoshinaga, coordenado­ra do Centro de Estudos em Finanças da FGV-Eaesp, a desconfian­ça do investidor em relação a empresas de economia mista sempre existiu, justamente pelo fato de o governo ser o acionista majoritári­o. “Ter o governo como acionista principal de uma empresa sempre vai trazer o risco de existir alguma interferên­cia política mais forte.”

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ADRIANO MACHADO/REUTERS-22/11/2018 Mudanças. Com Castello Branco saem cinco conselheir­os

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