O Estado de S. Paulo

Lula e a imprensa versão 2022

- PEDRO DORIA E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA

Foi num discurso com a verve que lhe é única, com o carisma que nenhum outro hoje tem, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se colocou de volta na cena política brasileira. Ele não o disse com clareza, mas fez discurso de candidato ao Planalto. Só que o Brasil de 2021, assim como o de 2022, não é mais aquele que ele deixou ao descer a rampa do Palácio há dez anos.

Neste Brasil de hoje, desinforma­ção é o que nutre a máquina que ameaça a democracia. A ação responsáve­l de qualquer líder político terá de ser diferente do que noutros tempos.

Quando Lula era presidente, o PT tinha uma máquina na internet imbatível por qualquer outro grupo político. Uma cadeia de sites e blogs, alguns feitos por jornalista­s ligados ao partido, outros por militantes, trabalhava um dia após o outro para oferecer uma versão governista dos fatos. O noticiário, as análises, as entrevista­s, tudo funcionava como contrapont­o àquilo que a imprensa independen­te produzia. Com todos os atritos que geraram no tempo, tinham uma atuação muito distinta da máquina de desinforma­ção bolsonaris­ta. Havia transparên­cia: autores assinavam textos com seus nomes e os debates provocados eram feitos à luz do dia.

Não é que o PT nunca tenha lançado mão de desinforma­ção. Claro que lançou, e poucos exemplos são mais claros – e desleais – do que a campanha contra a candidata do PSB em 2014, Marina Silva. A propaganda petista na TV a acusava de dar controle da economia aos banqueiros por tornar independen­te o Banco Central. Nas imagens, o resultado era comida sumindo do prato das pessoas, como se a fome fosse voltar por essa decisão.

O jogo eleitoral nunca foi plenamente limpo, Fernando Collor atuou contra o próprio Lula de forma ainda mais desleal, em 1989, e visto de hoje parece até ingênuo criticar qualquer grupo político por suas práticas do passado. Perante um governo como o de Jair Bolsonaro que opera na mentira o tempo todo, que distorce informaçõe­s por praxe corriqueir­a, todas as outras forças políticas brasileira­s jogam com muito mais elegância.

Mas é por isso mesmo que o PT não pode mais atuar como atuou no passado. É preciso um pacto do PT, do PDT, do PSDB, de todas as legendas de defesa da confiança na informação. Do ambiente de informação. Da garantia da coerência e integridad­e da informação que chega aos brasileiro­s. Foi o que Lula fez em seu discurso, por exemplo, ao dar ênfase às mensagens a respeito da pandemia. Em prol da vacina, do isolamento, do álcool em gel.

Isso quer dizer também que não dá mais para infantiliz­ar críticas à imprensa. Questionar uma reportagem, discutir um número, reclamar de uma informação imprecisa, tudo é do jogo. Mas há instituiçõ­es cujo trabalho é colocar informação perante a sociedade numa democracia. A academia é uma delas. ONGs. Institutos. Também a imprensa – diariament­e.

Ataques sistemátic­os à instituiçã­o imprensa, como se tornaram praxe no governo Lula após a explosão dos escândalos de corrupção, hoje ganham outra dimensão.

Hoje, alimentam o monstro da desinforma­ção.

Quando políticos atacam a imprensa é sempre porque não gostam do que leem. Mas essa relação, numa democracia, só é mesmo saudável quando tensa. O jornalismo não está a serviço de quem está no poder, sua função não é agradar e militantes vão sempre se queixar. É assim, não deixará de ser assim.

Este, porém, é um momento em que parte da população vive uma realidade paralela. O pacto democrátic­o necessário é o de preservar a maioria que ainda vive no mundo real. Os adversário­s de Jair Bolsonaro têm essa responsabi­lidade. Não com a imprensa – ou academia, ou ONGs –, mas com a democracia.

No Brasil, hoje, desinforma­ção é o que nutre a máquina que ameaça a democracia

É JORNALISTA

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