O Estado de S. Paulo

PRÊMIO CÉSAR REVERENCIA AMOR

História de uma paixão, ‘Les Choses qu’On Dit, les Choses qu’On Fait’ é o filme com mais indicações neste ano

- Rodrigo Fonseca ESPECIAL PARA O ESTADO

Oscar à francesa, entregue desde 1976 pela Académie des Arts et Techniques du Cinéma, nos mesmos moldes da Academia de Hollywood, o César – um troféu de bronze estimado em cerca de ¤ 1,5 mil, batizado com o nome de seu escultor, César Baldaccini (1921-1998), artesão do Nouveau Réalisme europeu – escolheu reverencia­r o amor como um analgésico para as dores do mundo.

O drama Les Choses qu’On Dit, les Choses qu’On Fait, história de uma paixão das mais descabelad­as e regadas a interditos morais, é o filme com mais indicações para o prêmio, a ser entregue nesta sexta, 12, em Paris. Dirigido por Emmanuel Mouret, o longa-metragem estará disputando em 13 categorias na cerimônia, que vai ocorrer presencial­mente, na sala de espetáculo­s L’Olympia, respeitand­o todos os protocolos acerca da covid-19, tendo a atriz Marina Foïs como apresentad­ora.

Sua narrativa mostra o encontro inesperado entre dois jovens que se apaixonam, mesmo ela já estando envolvida com um outro homem, de quem está grávida. Cannes viu o filme no início do ano passado, convidou-o para a seleção de 2020 e deu a ele sua logomarca, mesmo não podendo executar sua competição de longas, em maio passado, como esperado, por conta da pandemia. Mas o símbolo do maior festival de cinema do mundo ajudou a carreira comercial dessa produção na França, onde vendeu 250 mil ingressos antes de o lockdown das salas ser anunciado, no fim de outubro. Na cola do filme de Mouret, estão Adieu les Cons, de Albert Dupontel, e Été 85, de François Ozon, ambos também pontuados de romantismo.

“O cinema passou seus últimos 126 anos ensinando como amar, criando modelos, nos quais ora se fala muito, ora se cultiva a introspecç­ão. Os filmes modificara­m comportame­ntos ao longo de toda uma tradição de romantismo nas telas, em que a França foi muito ativa, sob muitas perspectiv­as distintas. Não sei o que entendo do amor, mas tentei construir um filme que abrisse uma janela para essa nossa linhagem de afetividad­e e que buscasse um estudo sobre o desejo”, disse Mouret ao Estadão, em entrevista via Zoom durante o Rendez-Vous Avec Le Cinéma Français, em janeiro – evento do governo de seu país para a promoção de seus longas mundo afora. “Qual é o limite entre uma atração e um querer genuíno? Essa é a questão que me move.”

Nascido em Marselha, há 50 anos, e conhecido por trabalhos sobre idílio, como Só Um Beijo, Por Favor (2007), Façame Feliz (2009) e Um Novo Dueto (indicado para o Leopardo de Ouro de Locarno, em 2013), Mouret gravita por influência­s de Éric Rohmer e François Truffaut no caudaloso retrato do enamoramen­to que imprime em Les Choses. Incluído em quinto lugar na lista dos dez melhores filmes de 2020 da revista Les Cahiers du Cinéma, o longa foi rodado em meio ao esplendor natural de Vaucluse, no sudeste francês. Seu enredo se esgueira por entre os sentimento­s que explodem quando a gestante Daphne (Camélia Jordana) recebe a visita de Maxime (Niels Schneider), primo de seu namorado, François (Vincent Macaigne), que precisou se ausentar. Ao longo de quatro dias a sós, Daphne e Maxime terão apenas um ao outro por companhia. Entre passeios de bicicleta e longos papos vespertino­s, eles vão compartilh­ar vivências e memórias de antigas relações. A cada conversa, uma tensão bem parecida com a de Meryl Streep e Clint Eastwood em As Pontes de Madison (1995) vai fervendo entre eles, à temperatur­a máxima.

“A maneira como o cinema afetou a realidade consciente que vivemos me faz pensar que não há apenas sexo envolvido na aproximaçã­o entre duas pessoas, há um sentimento de pertença, um carinho. O que busquei foi entender o quanto a natureza influencia a relação entre Daphne e Maxime, por meio de toda uma delicadeza que vai sendo estruturad­a, às vezes no silêncio, às vezes à base de muita saliva”, disse Mouret, que hoje vê sua atriz, Camélia Jordana, despontar como favorita ao César. “As belezas naturais que cercam Daphne e Maxime espelham a lindeza do clamor do querer. E dirigi os dois buscando entender as formas de contato amoroso que vão nascendo pouco a pouco entre duas pessoas que se encantam.”

No rol de indicações para o César 2021, estima-se que Mouret possa perder o prêmio de direção para Maïwenn, que concorre com o aclamado DNA (ADN), exibido aqui no Festival Varilux. Mas especula-se que o realizador marselhês deve levar o prêmio de melhor roteiro original por sua fina escrita dos diálogos entre Daphne e Maxime, que pode render a Niels Schneider o troféu de melhor ator por Les Choses. O longa também conta com favoritism­o na categoria de melhor fotografia, graças à luz de Laurent Desmet.

“Somos parceiros há muito tempo e o desafio de Laurent era encontrar as lentes certas que traduzisse­m a imensidão de verde e de vida naquele ambiente”, diz Mouret. “Falamos muito, durante a concepção fotográfic­a do filme de como filmar a troca de palavras de um modo vívido.”

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MALGOSIA ABRAMOWSKA Aclamado. Maïwenn é forte candidato ao prêmio de direção pelo filme ‘DNA’; longa já foi exibido aqui no Festival Varilux

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