Fernando Reinach
Estamos com o sistema de saúde em colapso e uma vacinação a conta-gotas.
Em menos de duas semanas a variante de Manaus provocou o colapso do sistema de saúde. Somos o segundo país a enfrentar um pico de casos e mortes causados por uma nova variante. O primeiro foi o Reino Unido, onde a variante B.1.1.7 foi identificada no fim de 2020 e provocou uma explosão no número de casos e óbitos. Estamos vivendo aqui o que eles viveram três meses atrás.
O lockdown britânico foi decretado a 4 de janeiro, mesmo dia em que o primeiro cidadão inglês foi vacinado, antes que o número de mortes tivesse iniciado sua subida vertiginosa. O número de mortes aumentou por um mês. Por mais de um mês o sistema de saúde beirou o colapso durante um rigoroso lockdown.
No Brasil, como lá, a campanha de vacinação estava começando quando os casos e mortes explodiram – mas as semelhanças entre os dois países acabam aqui. O governo britânico decidiu que o lockdown seria o último e duraria até que 100% da população de risco tivesse sido vacinada. São os 21,8 milhões de habitantes acima de 50 anos de idade, 38% da população. Em meados de 2020 a Inglaterra havia fechado contratos para adquirir 4 vezes o número de doses necessárias para vacinar a população e foi o primeiro país a aprovar as vacinas de Pfizer e Astrazeneca.
No Brasil a situação é muito diferente. Essa não será a última onda nem o último lockdown que teremos de aguentar. Como não compramos vacinas em meados de 2020, não temos doses suficientes para vacinar o grupo de risco durante os próximos meses. Vamos ser forçados a relaxar o distanciamento muito antes de termos vacinado uma fração significativa da população. E então o ciclo se repetirá: novas infecções e mais mortes. O único cenário em que isso não acontece é se o surto atual atingir proporções gigantescas o suficiente para induzir a imunidade de rebanho no Brasil, o que, com as novas variedades, só será atingida quando 80% a 85% da população for infectada. Espero que isso não ocorra.
O Brasil optou em 2020 por não comprar nenhuma dose de vacina, mas fechou dois contratos de transferência de tecnologia: do Butantã com a Sinovac e da Fiocruz com a Astrazeneca. Por esses contratos todas as vacinas usadas no Brasil no primeiro semestre de 2021 seriam produzidas no exterior e embaladas no Brasil. Isso daria tempo para o Butantan e a Fiocruz construírem suas fábricas de vacina.
O resultado dessas decisões é que aproximadamente 9 em cada 10 vacinas aplicadas no Brasil até agora são as Coronavac/butantan, a vacina com a menor eficácia de todas as disponíveis. A Coronavac é uma vacina desconhecida para a comunidade científica. Os resultados da fase 3 dos testes clínicos ainda não foram publicados e a única publicação científica sobre ela é o estudo da fase 2 e um trabalho que indica que os anticorpos gerados por ela não são capazes de inativar o vírus da variante de Manaus.
A Coronavac pode ser ótima ou inócua, caso a eficácia contra a cepa de Manaus seja muito menor que os 50% obtidos contra a cepa original do coronavírus. O que sabemos com certeza é que ela é muito segura e, portanto, não devemos evitar de tomar a Coronavac. Eu mesmo tomei e fiquei feliz em ter tomado as duas doses. Uma semana após cada uma tive uma leve diarreia e cansaço.
Fiquei curioso se esses eram efeitos colaterais leves. Como o trabalho científico da fase 3 não existe, tive de procurar no meu computador a apresentação que a Anvisa fez no dia da aprovação. Lá encontrei que diarreia e cansaço estão entre os efeitos colaterais mais frequentes. E a Anvisa declara que o Butantan não entregou nenhum dado sobre a imunogenicidade da Coronavac, além de listar nove grupos de dados que o Butantan ficou devendo.
A conclusão é de que estamos com o sistema de saúde em colapso, dependemos do cumprimento das regras de distanciamento social difíceis de manter e de uma vacinação que ocorre a conta-gotas.
MAIS INFORMAÇÕES: NEUTRALIZATION OF SARS-COV-2 LINEAGE B.1.1.7 PSEUDOVIRUS BY BNT162B2 VACCINE–ELICITED HUMAN SERA. SCIENCE VOL 371 PÁG. 1152.
É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY
E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO;E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
Temos um sistema de saúde em colapso e uma vacinação que ocorre a conta-gotas