O Estado de S. Paulo

Um governo sem plano e sem força

O governo Bolsonaro não planeja bem e ainda se omite da articulaçã­o política. Descumpre, portanto, responsabi­lidades básicas do Executivo.

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Atramitaçã­o da PEC Emergencia­l no Congresso mostra um governo incapaz de articular minimament­e propostas responsáve­is para o País. A rigor, não se pode nem mesmo acusar a oposição de irresponsa­bilidade fiscal, pois, como ficou evidente, a principal tolerância com o afrouxamen­to dos gatilhos fiscais veio do presidente Jair Bolsonaro, preocupado que estava em não desagradar aos grupos que formam sua base eleitoral. Uma vez mais observa-se na atuação deste governo a antítese de qualquer espírito reformista.

Vale lembrar que a PEC Emergencia­l, prevendo restrições e mecanismos para conter os gastos públicos, foi proposta pelo governo federal no fim de 2019, dentro do pacote de medidas intitulado “Plano Mais Brasil”. No entanto, o governo logo se esqueceu dela, não fazendo nenhum esforço para sua aprovação.

Ao longo do segundo semestre de 2020, o então presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, alertou várias vezes para a necessidad­e de sua aprovação. “Sem a PEC Emergencia­l, (o governo) vai ter muita dificuldad­e de aprovar o Orçamento”, disse Maia. O fato é que no ano passado nem o Orçamento nem a PEC Emergencia­l foram aprovados.

Agora, com o recrudesci­mento da pandemia e a consequent­e necessidad­e de restabelec­er algum auxílio à população mais carente, o governo incluiu na PEC Emergencia­l um dispositiv­o possibilit­ando o pagamento de um novo benefício emergencia­l, no valor total de R$ 44 bilhões. Foi sobre esse novo texto que Senado e Câmara se debruçaram nos últimos dias.

A história recente da PEC Emergencia­l também não é nada meritória para o governo Bolsonaro. Em primeiro lugar, tentouse aproveitar a emergência do tema para aprovar de supetão uma medida drástica e especialme­nte sensível em tempos de crise – a desvincula­ção de receitas obrigatóri­as para educação e saúde. Em vez de abrir um debate sério sobre o tema, o governo tentou um atalho oportunist­a. O Congresso excluiu a mudança.

A fragilidad­e e as incoerênci­as do governo Bolsonaro ficaram especialme­nte evidentes na discussão central relativa à nova versão da PEC Emergencia­l. Onde cortar gastos para tornar viável o pagamento do novo auxílio emergencia­l? A equipe econômica propôs alguns gatilhos, em especial a proibição de promoções e progressõe­s das carreiras do funcionali­smo.

Como era de esperar, houve resistênci­a à medida. Nesse embate entre responsabi­lidade fiscal e interesse eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro optou pela via mais fácil, endossando a tentativa de fatiar a PEC Emergencia­l, o que excluía parte das medidas mais restritiva­s.

A saída irresponsá­vel só não foi aprovada em razão do intenso trabalho do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, com os parlamenta­res. Conseguiu mostrar os efeitos desastroso­s que essa medida teria sobre a confiança dos investidor­es e a recuperaçã­o econômica.

De toda forma, com o visível desinteres­se do governo na defesa de uma mais intensa responsabi­lidade fiscal, tornou-se inviável politicame­nte a manutenção no texto da PEC Emergencia­l da proibição da progressão automática nas carreiras do funcionali­smo público, com o respectivo aumento dos salários. Ou seja, mesmo durante os estados de calamidade ou emergência fiscal (quando há elevado comprometi­mento das finanças), os funcionári­os públicos continuarã­o dispondo de progressõe­s e aumentos automático­s.

A agravar a história da PEC Emergencia­l, o programa do novo auxílio emergencia­l foi muito mal planejado. “O auxílio emergencia­l é um benefício grande demais, para um número de pessoas grande demais. Na entrada da crise, quando você não sabe o que vai acontecer, é uma boa ideia. Mas a gente não pode continuar com um programa essencialm­ente cego. (...) Se tiver um campeonato de programa mal desenhado, o auxílio emergencia­l ganha disparado”, disse ao Estado o economista Ricardo Paes de Barros, pesquisado­r do Insper e um dos maiores especialis­tas do País em políticas sociais.

O governo Bolsonaro não planeja bem e ainda se omite da articulaçã­o política. Descumpre, portanto, responsabi­lidades básicas do Executivo. O País paga o preço.

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