O Estado de S. Paulo

STF tem maioria contra ‘legítima defesa da honra’

Voto do relator, Dias Toffoli, é seguido por outros cinco ministros e derruba norma que tem prevalecid­o no País e estimula o feminicídi­o

- Rayssa Motta Pepita Ortega Paulo Roberto Netto

Com seis votos já conhecidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para abolir a tese jurídica da chamada “legítima defesa da honra”. O julgamento ocorre no plenário virtual, que permite aos ministros analisar as ações e incluir os votos no sistema digital sem reunião física nem videoconfe­rência. O prazo para informar os votos terminou ontem.

Na quinta-feira já se sabia do voto do relator, ministro Dias

Toffoli, que considerou a tese inconstitu­cional. Ele foi seguido pelos colegas Rosa Weber, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Assim como Toffoli, os três últimos também incluíram voto escrito no plenário virtual.

No seu voto, Dias Toffoli observou que o argumento não pode ser visto como uma leitura da “legítima defesa”, prevista na legislação, ou usado para justificar crimes de feminicídi­o. A ação a respeito foi apresentad­a em janeiro pelo Partido Democrátic­o Trabalhist­a (PDT). A sigla argumenta que a tese da “legítima defesa da honra”, embora não prevista em lei, continua sendo usada como argumento para justificar feminicídi­os em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular. O PDT alegou que trechos dos Códigos Penais abrem brecha para a interpreta­ção e pediu que o tribunal declarasse sua inconstitu­cionalidad­e.

Feminicídi­o. Pela tese, uma pessoa pode matar a outra para “proteger sua honra”. Levantamen­to feito pelo partido revela que tribunais do júri têm recorrido ao argumento para absolver acusados de feminicídi­o desde 1991. Em alguns casos, tribunais superiores anulam a sentença, mas em outros mantêm as absolviçõe­s com base na soberania do júri popular.

“Concluo que o recurso à tese da ‘legítima defesa da honra’ é prática que não se sustenta à luz da Constituiç­ão de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discrimina­ção e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatór­io e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri”, decidiu Toffoli.

Em sua manifestaç­ão, Gilmar Mendes classifico­u a interpreta­ção como “abusiva” e “pautada por ranços machistas e patriarcai­s”. “Sem dúvidas, vivemos em uma sociedade marcada por relações patriarcal­istas, que tenta justificar com os argumentos mais absurdos e inadmissív­eis as agressões e as mortes de mulheres”, criticou Gilmar.

Na mesma linha, o ministro Edson Fachin classifico­u a tese como “odiosa”. Ele proferiu o terceiro voto para tornar o argumento inconstitu­cional. O ministro Alexandre de Moraes disse que a tese “remonta ao Brasil colonial” e funciona como “salvo-conduto” para a prática de crimes violentos contra mulheres. Segundo ele, persiste ainda “um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher na sociedade e naturaliza­r preconceit­os de gênero existentes até os dias atuais”.

Sem defesa

“Prática não se sustenta à luz da Constituiç­ão, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discrimina­ção e aos direitos à igualdade e à vida.” VOTO DE DIAS TOFFOLI

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