O Estado de S. Paulo

Tributação no IR de benefício por redução de salário é polêmica

Advogados se dividem entre quem endossa esse entendimen­to e quem acredita que o benefício deve ser isento

- Idiana Tomazelli

Trabalhado­res que tiveram salário e jornada reduzidos ou contrato suspenso em 2020 devem declarar o benefício emergencia­l, pago pelo governo para compensar a perda de renda, como um rendimento tributável na declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), segundo orientação da Receita Federal. Advogados se dividem entre quem endossa esse entendimen­to e quem acredita que o benefício equivale ao seguro-desemprego e, por isso, deveria ser isento.

O esclarecim­ento da Receita foi publicado na última segunda-feira e pode ter repercussã­o no caso de contribuin­tes que ultrapassa­m a faixa de isenção do tributo. Hoje, é isento quem ganha até R$ 1.903,98 mensais, ou R$ 22.847,76 anuais.

Quem ganha acima disso não só precisa declarar o recebiment­o do benefício emergencia­l (BEM) como também deve ficar atento para a repercussã­o da inclusão desse rendimento sobre a restituiçã­o ou o imposto a pagar.

O advogado Bruno Souto Silva Pinto, sócio do escritório Ferraresi Cavalcante Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-GO, estimou a pedido do Estadão/broadcast o impacto da tributação do BEM na declaração do trabalhado­r.

Os cálculos mostram que um trabalhado­r que tenha tido dois meses de suspensão de contrato em 2020 ficaria, na prática, isento de IRPF caso seu salário nos meses fosse de até R$ 2.507,28, consideran­do o benefício isento de tributação. Já no caso de BEM tributável, essa faixa salarial cai a R$ 2.153,50.

O significad­o dessa simulação é que, com a inclusão do benefício na base de cálculo do IRPF, um número maior de trabalhado­res precisa declarar e, com isso, terá restituiçã­o reduzida ou imposto maior a pagar.

No caso de suspensão de contrato de apenas um mês, a isenção de IRPF valeria até salários de R$ 2.271,25, com o BEM isento de imposto, ou R$ 2.112,56, com o benefício sendo tributado. Souto diz que, em seu entendimen­to, o BEM é de fato uma renda tributável, uma vez que a lei do programa não previu qualquer exceção para o repasse. “Se não incluir na declaração, será o mesmo que sonegar imposto, e pode cair na malha fina”, alerta.

Reduções. O contrário ocorreu com a ajuda compensató­ria, valor que empresas puderam pagar aos funcionári­os como um incentivo para adesão ao acordo de redução de jornada ou suspensão de contrato. Esse

repasse não era obrigatóri­o, mas quem recebeu deverá declarar como valor isento.

O advogado tributaris­ta Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, tem o mesmo entendimen­to. “A Receita acaba tratando o BEM como uma remuneraçã­o qualquer”, afirma. Segundo ele, embora o valor do benefício tenha sido calculado com base no valor do seguro-desemprego a que o trabalhado­r teria direito se demitido, não há equiparaçã­o entre um e outro. O segurodese­mprego é isento de Imposto de Renda. “Só a lei do benefício emergencia­l poderia trazer a isenção de tributos”, afirma.

O advogado Jonas Ricobello, integrante da consultori­a tributária Laclaw, diverge da interpreta­ção da Receita e avalia que o BEM pode sim ser equiparado ao seguro-desemprego.

“O posicionam­ento da Receita foi uma surpresa, porque a legislação que instituiu o benefício diz que o objetivo é preservar o emprego e a renda, e todo o pano de fundo do programa vem no contexto de uma calamidade. Foi um espanto receber essa informação”, afirma Ricobello. “Podemos inferir que foi gerado um benefício equivalent­e ao seguro-desemprego. Por si isso gera dúvida”, acrescenta.

Ricobello diz ainda que outra lei, que tratou do auxílio emergencia­l, estabelece­u a necessidad­e de um “mínimo existencia­l” para os beneficiár­ios no contexto da pandemia, e isso poderia ser aplicado a um contexto maior. “A condição para recebiment­o dos benefícios governamen­tais foi apoiada na conceituaç­ão do ‘mínimo existencia­l’ para manutenção das condições humanas, e isso seria impossível de tributar”, diz.

A Receita Federal informou que a lei que criou o BEM não prevê qualquer isenção para esse benefício, apenas para a ajuda compensató­ria paga eventualme­nte pela empresa. O Fisco informou ainda que “não há estudo específico sobre a arrecadaçã­o decorrente do pagamento do (IRPF sobre o) BEM”.

Entendimen­to diferente “A Receita acaba tratando o BEM como uma remuneraçã­o qualquer.” Luiz Gustavo Bichara ADVOGADO

“O posicionam­ento da Receita foi uma surpresa.” Jonas Ricobello ADVOGADO

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ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA-15/8/2019 Legislação. A lei que criou o BEM não prevê isenção para esse benefício, afirma a Receita

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