O Estado de S. Paulo

Lei do Saneamento em risco

- •✽ ÉDISON CARLOS

Não é preciso aqui relembrar a gravidade da situação sanitária do Brasil, que ficou ainda mais visível ao longo desta pandemia de covid que já contaminou milhões e matou quase 300 mil brasileiro­s. Desde o início da crise com a doença já alertávamo­s para a vulnerabil­idade dos mais de 35 milhões de cidadãos deste país que, em pleno século 21, não possuem acesso aos serviços de água potável nem sequer para higienizar as mãos. O que dizer dos mais de 100 milhões que nunca tiveram serviços de coleta e tratamento dos esgotos, o que significa lançar na natureza, todos os dias, quase 6 mil piscinas olímpicas de esgoto. A situação vergonhosa do saneamento básico se torna mais vergonhosa quando lembramos que grande parte dessas pessoas vive em áreas mais esquecidas, como no semiárido, na Amazônia, nas áreas rurais e, ainda pior, dos milhões que vivem nas localidade­s vulnerávei­s onde as pessoas convivem mais aglomerada­s, como as favelas e as áreas irregulare­s.

Na esteira desses problemas, por mais de 4 anos, especialis­tas, entidades do setor de saneamento, empresas, autoridade­s do governo federal, ministério­s, deputados e senadores debateram as possíveis lacunas da Lei 11.445 de 2007 e que não permitiram ao Brasil, 11 anos após a lei, colher os avanços tão esperados nos indicadore­s de água potável e esgotos. Foram centenas de encontros em Brasília, entre reuniões, audiências públicas, debates entre apoiadores e contrários à redação até chegar ao novo Marco Legal do Saneamento Básico, a Lei 14.026 de 2020, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República em julho do ano passado. Pelas metas, até 2033, 99% dos brasileiro­s deverão ter acesso à água potável e 90%, aos serviços de esgotament­o sanitário.

Tudo ia bem, mas como no Brasil a incerteza sempre está presente, todos aguardavam para 2020 que o Congresso pautasse a votação dos vetos do presidente, em especial para resolver se valeria ou não a retirada do artigo 16, que permitia a renovação dos contratos de programa sem licitação até 31 de março de 2022, com prazo máximo de vigência de 30 anos. À época, membros do governo afirmavam que o veto foi porque o artigo limitava a livre concorrênc­ia e que estava em descompass­o com os objetivos da nova lei pela competição, a eficiência e a eficácia na prestação dos serviços. Outros vetos importante­s são ainda os pontos que obrigam a União a apoiar com dinheiro e assistênci­a técnica a organizaçã­o e a formação desses blocos municipais e as novas regras para indenizaçã­o de investimen­tos não amortizado­s das prestadora­s de serviço de saneamento que passarem por alienação acionária, mediante indenizaçã­o.

Outro ponto que tira o sono dos brasileiro­s que precisam dos serviços é a necessidad­e imperiosa do Ministério do Desenvolvi­mento Regional (MDR) publicar o decreto federal que fixará critérios de capacidade econômico-financeira para as empresas de saneamento que pretendam continuar prestando os serviços. Informaçõe­s dadas pela imprensa dão conta de que o MDR aguarda a deliberaçã­o pelos congressis­tas dos vetos presidenci­ais, ou seja, atrela o decreto à pauta do Congresso Nacional. A indefiniçã­o quanto à publicação do decreto já começa a suscitar reivindica­ções para postergaçõ­es dos prazos previstos na lei, o que seria muito ruim para a credibilid­ade de um marco regulatóri­o tão aguardado e necessário.

E para coroar as indefiniçõ­es, um dos pontos mais relevantes da redação, o que promove a formação dos blocos regionais de municípios, fixa prazo até 15 de julho deste ano para que os Estados criem as divisões. Em não fazendo, a União assume a tarefa da regionaliz­ação, o que pode acender mais debates e tempo para que as equipes técnicas federais se debrucem sobre cada localidade.

Ainda não temos nem previsão de quando os novos presidente­s da Câmara e do Senado pautarão os vetos, nem quando sai o decreto, nem se os Estados formarão os blocos a tempo. As carências sanitárias do Brasil parecem não ser prioridade. São gigantes, impactam a vida das pessoas com milhares de doenças e internaçõe­s, mesmo antes da covid, e este cenário só se agrava sem água e esgoto. O que se espera é um mínimo de bom senso e noção de urgência às autoridade­s.

✽ PRESIDENTE EXECUTIVO DO INSTITUTO TRATA BRASIL

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