HISTÓRIA DE RESPEITO
Da escolha do personagem aos ilustradores, ‘Joca e Dado’ busca a inclusão
A história não é incomum. Uma família é surpreendida com um diagnóstico antes ou depois do parto e a experiência de ter um filho que requer cuidados especiais ao longo da vida vira matéria-prima para um livro. Relato, diário, autoajuda. Às vezes um infantil. Mas o que aconteceu com Henri Zylberstajn, de 41 anos, pai de Pedro, o Pepo, de 3 anos, é algo raro. Joca e Dado – Uma Amizade Diferente, o livro que o empresário escreveu depois que já havia se recuperado do baque que foi a descoberta de que seu terceiro filho tinha síndrome de Down, está sendo lançado com uma tiragem inicial de nada menos do que 45 mil exemplares. Para se ter uma ideia, uma tiragem-padrão de um livro infantil chega, com sorte, a 5 mil cópias.
A obra foi selecionada pelo edital de originais do Leiturinha e agora o debate sobre respeito e sobre inclusão de pessoas com deficiência física ou intelectual entra na casa dos assinantes do maior clube de livros infantis do País e, em breve, poderá ser comprado também por não assinantes.
Na história, Joca é um menino reservado que não tem muitos amigos. Dado é cheio de energia e gosta de interagir com todas as pessoas. Eles se tornam amigos e Joca, que fica feliz em ajudar Dado a aprender a falar o nome das frutas e das cores e que aprende muitas outras coisas com ele, começa a questionar os pais por que o amigo tem os olhos puxados ou fica às vezes com a língua para fora. Ouve que Dado, que tem síndrome de Down, é diferente e que ele não deve se preocupar com isso.
“Eu queria trazer duas mensagens: mostrar a importância do convívio com a diversidade desde cedo e como todos se beneficiam disso e a importância de os pais, principalmente de crianças sem deficiência, se envolverem e darem a devida atenção quando ele surge em casa”, comenta Henri Zylberstajn, empresário, empreendedor social e fundador do Instituto Serendipidade. E ele cita essa passagem em que Joca procura os pais para explicar que o modo como vamos lidar com as diferenças começa aí.
“As crianças não nascem com preconceito. Quando elas começam com 4, 5, 6 anos a perceber a diferença, elas vão para o porto seguro delas, para casa, e fazem suas perguntas. Dependendo de como a explicação é dada, isso pode dar margem à aceitação ou ao preconceito”, diz.
Isso tudo ele foi aprendendo aos poucos. Depois que Pedro nasceu, Henri tirou um sabático, foi ler e estudar. Perdeu o medo, parou de questionar por que aquilo tinha acontecido com ele e reviu suas opiniões. “Entendi que tê-lo conosco era uma oportunidade de enxergar o mundo de outra forma.”
A partir desse entendimento e dessa elaboração, uma outra história começou. “Jurei para mim mesmo que ninguém nunca ia olhar para o meu filho ou para outras crianças com síndrome de Down da mesma forma que eu olhava para essas pessoas antes de ter o Pedro. Eu não tinha preconceito discriminatório. Cresci numa família que sempre me ensinou a respeitar o que era diferente, mas que infelizmente não me deu de fato a oportunidade de viver o que era diferente. E me refiro também a raça, religião e condição social diferentes da minha.”
Sobre a escolha de Joca e Dado para o catálogo do Leiturinha, a curadora Cynthia Spaggiari explica que a publicação colabora para o fortalecimento de uma situação social que possa ser cada vez mais respeitosa em relação a tudo o que a princípio possa nos parecer diferente. “Entendo que a literatura infantojuvenil, a educação, os núcleos familiares e todas as manifestações artísticas são ambientes perfeitos para expandir as discussões e ações em favor da inclusão e da diversidade. Isso é fundamental não apenas para o mercado editorial, mas também para a formação das próximas gerações.”
Ela continua: “Como mãe – também de uma pessoa com deficiência –, é emocionante saber que a pauta da inclusão chegará a tantas famílias, como exemplo e a esperança de que o lema ‘nada sobre nós, sem nós’ possa ser efetivamente realizado”. E aqui a história ganha contornos ainda mais interessantes. As ilustrações foram feitas por jovens profissionais do estúdio La Casa de Carlota. Todos com algum tipo de deficiência intelectual.