O Estado de S. Paulo

Governo muda tom e ministro pede vacinas a outros países

Em reunião da OMS, titular da Saúde apela a nações com excedente; Bolsonaro chegou a ameaçar deixar entidade

- Mariana Hallal Mateus Vargas /

Em evento da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) fez um apelo para que países com doses excedentes de vacinas contra covid-19 compartilh­em lotes com o Brasil. Segundo Queiroga, o acesso ao imunizante deve ser proporcion­al à gravidade da emergência de saúde em cada nação. O pedido público contrasta com posturas da gestão Jair Bolsonaro em relação à OMS. No início da pandemia, Bolsonaro acusou a entidade de ter atuação “partidária” e ameaçou abandonar o organismo internacio­nal. Apesar das dificuldad­es, Queiroga afirmou ser possível garantir que até o fim do ano toda a população brasileira estará vacinada. Para armazenar o primeiro lote da vacina da Pfizer, que chegou anteontem ao País, hospitais e universida­des estão cedendo refrigerad­ores especiais, capazes de manter as doses a até 80 graus negativos.

Queiroga defendeu mais lotes para nações com alta transmissã­o do vírus e agradeceu à China; declaração contrasta com a postura de Bolsonaro ao longo da pandemia, que criticou entidade global da saúde e demorou para fechar contratos de compra dos imunizante­s

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pediu ontem para que países com doses extras da vacina contra covid19 compartilh­em lotes com o Brasil, que ainda registra média diária de 2,5 mil mortes pelo vírus. O apelo foi feito em coletiva de imprensa conduzida pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). Segundo ele, o acesso ao imunizante deve ser proporcion­al à gravidade da emergência de saúde em cada nação.

O apelo público em agenda com a OMS contrasta com declaraçõe­s da gestão Jair Bolsonaro durante a pandemia sobre a entidade. A relação política do governo com a OMS foi conturbada sobretudo nos primeiros meses da crise sanitária. Bolsonaro acusou a entidade de ter atuação “partidária” e ameaçou abandonar o órgão – em postura semelhante à do ex-presidente americano Donald Trump. Em abril de 2020, Bolsonaro também chegou a publicar informaçõe­s falsas sobre a organizaçã­o, apagadas no mesmo dia.

“Apelo para aqueles países com doses extras que compartilh­em essas vacinas com o Brasil de modo a conter a fase crítica da pandemia e evitar a proliferaç­ão de novas variantes”, disse Queiroga ontem. Secretário­s de Saúde já haviam enviado carta à OMS para pedir essa mesma prioridade em março.

No modelo sugerido pelo ministro, nações com transmissã­o descontrol­ada, como o Brasil, deveriam receber mais doses. A medida, porém, poderia prejudicar países que têm adotado ações recomendad­as pelos cientistas para frear o vírus, como o isolamento social. Ciro Ugarte, do Departamen­to de Emergência­s em Saúde da Organizaçã­o Pan-americana da Saúde (Opas), braço da OMS para o continente, também defendeu mais vacinas e verba para América Latina e Caribe, para enfrentar possíveis novas ondas.

Queiroga ainda afirmou não haver atrasos na vacinação no Brasil e destacou capacidade para vacinar até 2,4 milhões de pessoas por dia. Esse patamar só não está sendo atingido, segundo ele, por “dificuldad­es resultante­s da escassez de vacina”.

Conforme Queiroga, o governo está prestes a assinar novo acordo para adquirir cem milhões de doses da Pfizer – outros cem milhões já foram compradas, e o primeiro lote de 1 milhão chegou esta semana. “Temos doses suficiente­s para o segundo semestre e é possível se garantir que até o fim do ano de 2021 tenhamos a nossa população inteiramen­te vacinada.”

As parcerias da Fiocruz com a britânica Astrazenec­a e do Instituto Butantan com a chinesa Sinovac para produzir vacinas em território nacional foram exaltadas pelo ministro, que agradeceu a Pequim pela “cooperação fundamenta­l”. Uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, causou embaraço diplomátic­o esta semana. Em reunião do Conselho de Saúde Suplementa­r, sem saber que era gravado, disse que o “chinês inventou o vírus (da covid) e a vacina dele é menos efetiva que a do americano”, em referência ao imunizante da Pfizer. Pelo Twitter, o embaixador da China, Yang Wanming, disse depois que a “Coronavac representa 84% das vacinas aplicadas no Brasil”.

Neste fim de semana vão chegar ainda mais quatro milhões de doses pelo Covax, consórcio internacio­nal liderado pela OMS. O governo, porém, hesitou sobre entrar no consórcio. Em outubro, ainda na gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o País optou por aderir à iniciativa, mas pela cota mínima, que prevê entregar doses para 10% da população brasileira. Havia opção de receber vacinas para até metade do País.

Elo estreito. Apesar das falas de Bolsonaro, o Ministério da Saúde mantém relação estreita com a Opas. A pasta tem diversos acordos com a organizaçã­o para compra de insumos, além de cooperaçõe­s no combate à covid. Queiroga tem feito reuniões semanais com a Opas e já havia conversado com Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS. Um dos temas frequentes nesses encontros é o pedido para que sejam antecipada­s ou pelo menos cumpridas as entrega previstas Covax. O Brasil chegou a contar com 10,6 milhões de doses para o semestre por esta via, mas o cronograma mais recente aponta menos de 6 milhões até junho.

O apelo de Queiroga pelo envio de vacinas também contrasta com declaraçõe­s do governo que minimizava­m a demora para a compra das doses. Em janeiro, Pazuello disse que iria receber “avalanche” de propostas de vacinas e que o Brasil ultrapassa­ria a campanha americana já em fevereiro, o que até hoje não ocorreu. Já Bolsonaro passou meses, em 2020, rejeitando propostas de compra da Pfizer e da Coronavac – o Butantan é ligado ao governo de São Paulo, que tem à frente seu adversário político João Doria (PSDB).

A OMS também já criticou a condução da crise sanitária no Brasil. Em março, Adhanom afirmou que o País deve levar a sério a pandemia e citou cenário “muito preocupant­e”.

“Apelo para aqueles países com doses extras que as compartilh­em com o Brasil de modo a conter a fase crítica da pandemia.” Marcelo Queiroga

MINISTRO DA SAÚDE

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TONY WINSTON/MS Abrindo o leque. Ministro da Saúde, que tem mantido contato com a OPAS, disse no encontro da OMS que não haverá atrasos na vacinação no Brasil

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