O Estado de S. Paulo

‘Um número enorme, né?’

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Brasil superou a marca de 400 mil mortes por covid-19 e Jair Bolsonaro segue incapaz de transmitir esperança por dias melhores.

OBrasil ultrapasso­u a terrível marca de 400 mil mortes na pandemia de covid-19. Cada vítima desta peste conta uma história interrompi­da de súbito e deixa um vazio de dor e de possibilid­ades não vividas para seus familiares e amigos. Olhados em conjunto, os milhares de mortos compõem um mosaico de rostos que refletem a frieza e a inépcia de um governo que quase nada fez para evitar o morticínio, a despeito de ter à sua disposição todas as condições, não apenas financeira­s, para agir com seriedade contra a maior ameaça sanitária a se abater sobre a Nação em mais de um século.

A história desta pandemia no Brasil, o segundo país com o maior número de mortos, somente atrás dos Estados Unidos (575 mil), está marcada de forma indelével como uma tragédia construída com desvelo por um conjunto de ações e omissões daqueles que, fosse por dever de ofício, fosse por imperativo moral, deveriam ter agido com cuidado e responsabi­lidade, mas, pelas mais variadas razões, simplesmen­te não o fizeram.

É de destacar que mais da metade das mais de 400 mil mortes ocorreu nos quatro primeiros meses de 2021, superando o total de óbitos em decorrênci­a da covid-19 registrado­s ao longo de todo o ano passado. Vale dizer, mais de 200 mil brasileiro­s morreram vítimas de uma doença contra a qual já havia ao menos quatro vacinas aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Uma das perguntas que os senadores que compõem a CPI da Pandemia deverão responder ao final do trabalho da comissão de inquérito é: por que essas vacinas não foram aplicadas a tempo e em um número de brasileiro­s suficiente para conter o avanço do vírus?

Registre-se ainda que outra grande parte das vítimas pereceu quando medidas não farmacológ­icas que poderiam evitar o pior, como o uso de máscaras e o isolamento social, foram reiteradam­ente desacredit­adas pelo governo federal, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, quando sua adoção deveria ter sido amplamente estimulada. Inolvidáve­l também foi a campanha levada a cabo pelo presidente da República para promover “tratamento­s” tão eficazes contra a covid-19 quanto um comprimido de aspirina.

Sem sequer citar o número de vítimas fatais da doença no País que, desafortun­adamente, lhe coube governar, Jair Bolsonaro se limitou a dizer em uma de suas lives que o País “chegou a um número enorme de mortes agora aqui, né?” Sim. E em grande medida em virtude do descalabro que é a administra­ção federal da crise sanitária.

Para desventura da Nação, o meio milhão de mortos pelo coronavíru­s está muito mais próximo do que o recuo da disseminaç­ão do patógeno e, consequent­emente, da queda do número de casos e mortes. O salto de 300 mil para 400 mil mortes se deu em apenas 36 dias. Novas cepas do vírus em circulação, sabidament­e mais contagiosa­s, indicam um cenário nada alentador para as próximas semanas ou meses. Já há epidemiolo­gistas que anteveem a eclosão da terceira onda da doença no País.

A vacinação da população segue em velocidade muito aquém da velocidade de transmissã­o do vírus. Por sua vez, muitos cidadãos parecem dar como vencido o enfrentame­nto da peste, deixando de adotar as medidas sanitárias que podem ajudar a reduzir o número de contágios e salvar vidas. São cada vez mais frequentes os registros de festas clandestin­as, aglomeraçõ­es e desleixo com o uso de máscaras. A pesada conta da incúria do governo e da irresponsa­bilidade dos cidadãos haverá de chegar, mais cedo do que tarde.

Não foi por falta de informação e meios que o governo brasileiro deixou de agir para enfrentar a pandemia de forma correta. Não por acaso, o desastre é uma marca comum de países governados por quem fez pouco-caso da gravidade da ameaça sanitária. O Brasil é um deles. A Índia é outro. Os Estados Unidos reverteram a curva de casos e mortes após um presidente genuinamen­te preocupado com seu povo ter tomado as rédeas da situação. Aqui, Bolsonaro segue incapaz de transmitir esperança por dias melhores.

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