O Estado de S. Paulo

Proposta de governo: comédia

- Marcelo Rubens Paiva

Chama o Conar: propaganda enganosa à vista, acima de tudo e de todos. A maioria dos programas de governo é farsa.

Pesquisado­res que quiserem entender o processo eleitoral brasileiro e os anseios do eleitor poderão checar a proposta de governo de cada candidato, registrada no Tribunal Superior Eleitoral.

O TSE não chama de programa de governo, mas proposta, e indeferiu a de Lula em 2018, O Povo Feliz de Novo. Para se distanciar da crise econômica de Dilma, o PT queria ressaltar o tempo daquele cuja popularida­de bateu 87% (2010).

Nem todos os candidatos à Presidênci­a nomeavam suas propostas. A da delícia da democracia, Cabo Daciolo (Patri), era Patri, a de Ê-ê-êmaiel, o democrata cristão, se chamava DC, a de Vera (PSTU) era PSTU.

A maioria propôs criativida­de e renovação da política; atolada em escândalos. A do Partido Novo se chamava Novo, Ciro Gomes, um nacionalis­ta Brasil Soberano, Álvaro Dias, Mudança de Verdade, e em Boulos, ousadia: Vamos sem Medo de Mudar o Brasil.

O programa do Alckmin não poderia propor mudança radical. O PSDB era parte do jogo bipolar e foi responsáve­l pelo racha das instituiçõ­es, ao suspeitar da eleição de Dilma. Sem contar que tinha também tucano atolado na Lava Jato. Foi de Para Unir o Brasil. Marina Silva juntou os dois anseios, união e mudança, e se lançou candidata com Unidos Para Transforma­r o Brasil.

Henrique Meirelles partiu para algo vago, Essaé aS olução.OMDBnãot in hana d ad enovo, anão sera eliminação daletraP,eédes de 1985 a solução para a instável governabil­idade, como biruta de aeroporto, que muda se pagarem bem (em cargos e verba para emendas).

Ado candidato vencedor, Bolsonaro, em que concorreu com 12 candidatos, se chamava Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos. Abreco ma citação bíblica e evidente indireta sob reas revelações da Lava Jato: “E conhecerei­s a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8: 32).

Com o subtítulo O Caminho da Prosperida­de, a contar pelo desemprego, inflação, derretimen­to da moeda, fuga de capital estrangeir­o e fechamento de indústrias, deveria ser Da Lama ao Caos, ele se divide em capítulos: Constituci­onal, Eficiente, Fraterno.

Na Constituiç­ão, Bolsonaro quer interferir, ameaça governos com tropas e “seu” Exército, relembra atos institucio­nais da ditadura, usa e abusa da Lei de Segurança Nacional. Foi eficiente em difundir tratamento­s contra a covid não comprovado­s, mas se revelou amplamente ineficient­e no combate à pandemia.

A falta de fraternida­de foi o seu forte: no trato com jornalista­s, ao ser contra equiparaçã­o salarial de mulheres, com o meio ambiente, indígenas, quilombola­s e nordestino­s, que chamou de paraibanos.

No primeiro parágrafo: “Propomos um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal. Um governo sem toma lá dá cá, sem acordos espúrios... Um governo que defenda e resgate o bem mais precioso de qualquer cidadão: a Liberdade”.

Foi dos governante­s que mais atacaram a liberdade de imprensa, boicotou a cultura, bloqueando verbas de leis de incentivo, e acaba de fechar um acordo com parlamenta­res que, nas palavras de Delfim Netto, traíram a sociedade: “A lambança produzida no Orçamento aprovado pelo Congresso é conhecida: acotovelar­am-se R$ 49 bi em emendas parlamenta­res, mais de R$ 30 bi delas de caráter não obrigatóri­o, em detrimento de um maior espaço às urgências da população”.

Que urgências? Contabiliz­am-se 400 mil mortes por covid e 36 milhões de brasileiro­s na extrema pobreza. O salário mínimo cresceu menos que a inflação, pois o Estado tungou dinheiro de aposentado­s e pensionist­as.

No programa do presidente que disse “chega de frescura, mimimi”, e em relação ao combate à pandemia, está escrito: “Devemos ser fraternos! Ter compaixão com o próximo. Precisamos construir uma sociedade que estenda a mão aos que caírem. Escolhas erradas ou tropeços fazem parte da vida. Ajudar o próximo a se levantar nos diferencia como humanos”.

Ele cortou verbas publicitár­ias de meios críticos, ameaçou não renovar a concessão da maior emissora do País, declarou o sonho de ver um jornal fechar, mas está no programa: “Somos contra qualquer regulação ou controle social da mídia”.

Há um erro histórico: “Nos últimos 30 anos, o marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo se uniu às oligarquia­s corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”. Desde de 1988 vivemos uma união entre marxismo e oligarquia­s? Nos governos Sarney, Collor, Itamar, FHC e Temer?

“Após 30 anos em que a esquerda corrompeu a democracia e estagnou a economia, faremos uma aliança da ordem com o progresso: um governo Liberal Democrata”. FHC e Lula estagnaram a economia? “Faremos os ajustes necessário­s, para garantir cresciment­o com inflação baixa e geração de empregos”. Chama o Conar: propaganda enganosa à vista, acima de tudo e de todos.

O programa prometia reduzir o número de ministério­s. Eram 23. Hoje, são 22 pastas: 17 ministério­s, duas secretaria­s e três órgãos equivalent­es a ministério­s. Dá pra reclamar no Procon?

A maioria dos programas de governos é uma cômica farsa. Mas não precisavam transforma­r num delírio. De 81 páginas!

Chama o Conar: propaganda enganosa à vista, acima de tudo e de todos

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