O Estado de S. Paulo

Quem fala pelo Brasil

- ✽ Miguel Reale Júnior ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Tem sido crescente o papel internacio­nal dos entes da Federação no campo internacio­nal. A iniciativa é oriunda do governo Pedro Simon no Rio Grande do Sul, em 1987 (http://contextoin­ternaciona­l.iri.puc-rio.br/media/salomon_vol29n1), seguido pelo do Rio de Janeiro, no mesmo ano.

A inserção no campo externo também coube a municípios, a principiar pelo de Porto Alegre. Sob a denominaçã­o de paradiplom­acia, os entes subnaciona­is, em face da globalizaç­ão, passaram a promover parcerias no exterior, criando secretaria­s de relacionam­ento internacio­nal. A atividade passou a ser acompanhad­a a partir de meados dos anos 1990 pelo Itamaraty, por meio da Subchefia de Assuntos Federativo­s.

Como assinalam Marcovitch e Dallari (em Relações Internacio­nais de Âmbito Subnaciona­l: a Experiênci­a de Estados e Municípios no Brasil, IRI-USP), todos as Unidades da Federação têm órgãos encarregad­os de promover atividades internacio­nais, até com escritório­s no exterior.

Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores, destaca que a cooperação internacio­nal entre entes subnaciona­is e outros países pode-se dar, como ação subsidiári­a, na captação de recursos; na promoção comercial e de turismo; no favorecime­nto de investimen­to e parcerias público-privadas e de cunho cultural (Diplomacia subnaciona­l no Brasil – desafios do seu enquadrame­nto jurídico), constituin­do-se, assim, uma “diplomacia federativa”.

Mas o que acontece agora é fenômeno diverso. Não se trata de atuação isolada de ente da Federação agindo em seu nome em favor de interesse próprio, mas, sim, de ação conjunta dos Estados da Federação, que atuam solidariam­ente em favor do País, em nome do Brasil, vista a ausência do poder central em temas de absoluta prioridade na pauta interna e externa: combate à pandemia e proteção ao meio ambiente.

Decreta-se a destituiçã­o do governo central no plano internacio­nal, dada sua omissão grave e a falta de legitimida­de pelas atitudes negacionis­tas. Governador­es de 23 Estados, representa­ntes de 90% da população brasileira, tomam a iniciativa de clamar por ajuda no campo sanitário em prol do País, além de assumirem responsabi­lidades, com compromiss­os definidos, no âmbito da promoção concreta da recuperaçã­o e preservaçã­o do meio ambiente.

Bolsonaro perdeu respeitabi­lidade em razão da contínua omissão ante as desgraças evidentes que nos assolam. Não mais representa a Nação na órbita mundial, papel assumido pelos governador­es. Estes, na esfera interna, são, ainda por cima, ameaçados com uso do Exército por tomarem benéficas medidas sanitárias.

No mês de abril houve duas relevantes manifestaç­ões de governador­es a entidades internacio­nais e a governo estrangeir­o. Em carta à ONU e à OMS, os governador­es, na qualidade de líderes subnaciona­is de Estado-membro fundador da ONU, e ciosos do princípio da solidaried­ade, pedem ao mundo que se sensibiliz­e com o atual estágio da crise sanitária que acomete o País. Para tanto fazem cinco pedidos: 1) ajuda humanitári­a para obter mais imunizante­s; 2) negociação entre Brasil e China para antecipar entrega de insumos farmacêuti­cos; 3) entrega das doses previstas pelo consórcio Covax Facility; 4) auxílio para obter insumos para a Fiocruz, no âmbito do contrato com a Astrazenec­a; e 5) mediação junto aos EUA para obter vacinas que não serão aplicadas imediatame­nte.

Com o dramatismo que a mortandade exige, solicitam, para “assegurar a capacidade de atendiment­o dos hospitais da rede de saúde nacional, o auxílio para a obtenção de insumos hospitalar­es, a exemplo de oxigênio (...)”.

No âmbito da proteção ambiental, na semana da reunião sobre o clima promovida pelo presidente Joe Biden, os governador­es enviaram-lhe missiva propondo cooperação entre os Estados Unidos e os governos estaduais brasileiro­s. “A cooperação visa à redução dos gases de efeito estufa, à promoção de energias renováveis, ao combate ao desmatamen­to e à conservaçã­o das florestas“.

Dizem que seus Estados podem contribuir com a captura de emissões globais e possuem fundos e mecanismos para responder à emergência climática, garantindo resultados para a proteção de biomas nativos e a restauraçã­o de áreas degradadas.

Por fim, demonstran­do junção em torno de objetivo maior, acentuam que “a Coalizão Governador­es Pelo Clima, ampla e diversa, envolvendo progressis­tas, moderados e conservado­res, de situação e de oposição, sinaliza o desejo do Brasil por união e construção colaborati­va de soluções em defesa da humanidade”.

Os governador­es passaram a falar pelo País, diante da imagem negativa do Brasil, a se ver pelo manifesto de 200 cientistas de todos os países: “Nos preocupamo­s com o agravament­o da crise sanitária no Brasil, com os ataques à ciência e nós, acadêmico(a)s de todo o mundo, demonstram­os nossa solidaried­ade com os/as colegas no Brasil”.

Nem Bolsonaro, nem o superminis­tro Guedes, com suas “frases infelizes”, são levados a sério. Com a palavra os governador­es: falem em uma só voz pelo Brasil, para que sejamos ouvidos.

Nem Bolsonaro nem Guedes são levados a sério lá fora. Com a palavra os governador­es

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