O Estado de S. Paulo

Um calote e suas consequênc­ias

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Ogoverno brasileiro tem uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos internacio­nais, como apurou o Estado. Por exemplo, o País deve cerca de R$ 500 milhões à Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) e à Organizaçã­o Pan-americana de Saúde (Opas). É, no mínimo, um panorama pouco abonador para quem deseja ser respeitado no cenário internacio­nal.

A lista das organizaçõ­es com as quais o País está em dívida é longa, incluindo o Banco de Desenvolvi­mento do Caribe, a Corporação Andina de Fomento (CAF), o BID Invest (braço do Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento), o Fundo Financeiro para o Desenvolvi­mento da Bacia do Prata, a Associação Internacio­nal de Desenvolvi­mento e o Novo Banco de Desenvolvi­mento (NDB, o banco do Brics).

O quadro fica ainda mais grave quando se constata que os compromiss­os que vencem neste ano somam cerca de R$ 4,2 bilhões, e o Orçamento de 2021 previu apenas o pagamento de R$ 2,2 bilhões. O Tribunal de Contas da União (TCU) alertou o governo para a diferença entre as obrigações de pagamentos e as dotações orçamentár­ias.

Para piorar, mesmo o valor aprovado na Lei Orçamentár­ia Anual (LOA) de 2021 não está assegurado, uma vez que o governo terá de contingenc­iar despesas ao longo do ano. Segundo o Ministério da Economia, é “bastante provável” que os novos cortes atinjam a dotação para pagamentos de organismos internacio­nais.

A situação é mais uma consequênc­ia, entre tantas, do desleixo do Executivo federal durante a tramitação da lei orçamentár­ia no Congresso, que criou uma situação paradoxal. Aprovou-se o aumento das emendas parlamenta­res, ficando o País incapaz de honrar seus compromiss­os internacio­nais.

Vale lembrar que esses compromiss­os financeiro­s não são imposições de terceiros. No exercício de sua soberania, o Brasil assumiu livremente essas obrigações. Depois, no entanto, atua como se seu cumpriment­o fosse opcional.

Eis o irrealismo do governo de Jair Bolsonaro. Faz bravatas nacionalis­tas, exigindo respeito frente a um suposto complô internacio­nal contra o Brasil, mas depois não cumpre suas obrigações mais básicas – que é pagar as contas que livre e soberaname­nte assumiu.

O resultado é desastroso para a imagem do País no exterior. Não é que os outros países não respeitem o Brasil. É o próprio governo brasileiro que destrói sua credibilid­ade no cenário internacio­nal, ao agir de forma incompatív­el com o que prega.

O calote nos organismos internacio­nais não apenas prejudica a percepção do País no exterior. O não pagamento dos compromiss­os pode compromete­r o voto do Brasil nessas organizaçõ­es, o que afeta diretament­e os interesses nacionais.

No fim do ano passado, por exemplo, por pouco o Brasil não perdeu seu direito de voto na ONU. O País tinha uma dívida de US$ 390 milhões com as Nações Unidas e, se não pagasse até dezembro de 2020 ao menos US$ 113,5 milhões à entidade, estaria impedido de votar a partir deste ano.

Para ter uma ideia da gravidade da situação, no ano passado, apenas três países-membros da ONU encontrava­m-se em situação de endividame­nto capaz de afetar o direito de voto: Somália, Ilhas Comores e São Tomé e Príncipe.

Mais do que da falta de dinheiro, essa constrange­dora inadimplên­cia do Brasil com a ONU foi fruto do descaso do governo federal com os compromiss­os internacio­nais. O presidente Jair Bolsonaro simplesmen­te não se empenhou junto ao Legislativ­o para obter as devidas autorizaçõ­es orçamentár­ias.

Felizmente, antes do encerramen­to do ano, o Legislativ­o socorreu o Executivo e liberou crédito suplementa­r para pagar R$ 917 milhões em dívidas com organismos internacio­nais. A ação do Congresso evitou o vexame internacio­nal. Seria a primeira vez que o Brasil, por não honrar seu compromiss­o, perderia o direito de voto na ONU.

Como se vê pelos números do Orçamento deste ano, o governo de Jair Bolsonaro repete o erro de 2020, reiterando o desleixo com os compromiss­os internacio­nais do País e, consequent­emente, com a defesa dos interesses nacionais. Nesse calote, o Brasil é quem mais perde.

Governo brasileiro tem uma dívida de R$ 10,1 bilhões com organismos internacio­nais

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