O Estado de S. Paulo

Riocentro: caso segue sem resolução

Quarenta anos após atentado que marcou início do fim da ditadura, militares e um delegado foram acusados, mas ninguém foi punido

- André Shalders Vinícius Valfré Rafael Moraes Moura

Há exatos quarenta anos, um atentado terrorista praticado por agentes do Estado brasileiro contra civis continua impune, e tudo indica que continuará assim. Na noite de 30 de abril de 1981, uma bomba explodiu em um Puma no estacionam­ento do Riocentro, em Jacarepagu­á, no Rio. Naquele momento, a cantora Elba Ramalho se apresentav­a no palco do show de 1º de maio para uma plateia de 20 mil pessoas.

O atentado foi o mais emblemátic­o de uma série de explosões provocadas por agentes da repressão, insatisfei­tos com o processo de abertura política do País. O Ministério Público Federal (MPF) apontou a participaç­ão de 15 pessoas, em 2014, na investigaç­ão mais abrangente já feita sobre o caso. Desses, seis foram denunciado­s à Justiça e cinco estão vivos hoje – quatro militares e um ex-delegado de Polícia Civil.

Os quatro militares sobreviven­tes progredira­m em suas carreiras no Exército e hoje vivem de modo confortáve­l. Nenhum deles sofreu punição, exceto a de passar para a história como participan­tes de uma trapalhada, que ajudou a desmoraliz­ar a ditadura brasileira e encaminhou o seu fim.

Dois dos militares acusados pelo MPF são hoje generais reformados do Exército: Nilton de Albuquerqu­e Cerqueira e Newton Araújo de Oliveira e Cruz. Hoje na reserva, Cerqueira era então coronel do Exército e comandante da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. De acordo com a denúncia, ele agiu para impedir que a força policial estivesse no local na hora do atentado.

Newton Cruz já era general e chefiava a poderosa Agência Central do SNI, o Serviço Nacional de Informaçõe­s. Soube do atentado de antemão e autorizou que fosse adiante, segundo o MPF.

Wilson Machado, apontado pelo Ministério Público Federal como um dos executores do ataque ao Riocentro, continua vivo. A denúncia afirma que ele estava no volante do Puma GTE quando a bomba explodiu no banco do carona, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário. À época, Wilson era capitão do Exército. Nos anos seguintes, chegou ao posto de coronel.

O militar Divany Carvalho Barros passou à inatividad­e com a patente de major. Na época, era capitão do Exército, na Seção de Operações do DOI do Rio. A denúncia relata que ele foi até o Puma GTE naquela noite por ordem de Julio Miguel Molinas Dias, o “Dr. Fernando”, com ordem de remover do carro provas que pudessem ligar os militares ao ocorrido. Ao MPF, Divany contou que recolheu do Puma uma pistola, uma granada de mão e a agenda telefônica de Guilherme Pereira do Rosário.

Cargos. Além de não terem sido punidos, alguns dos citados no episódio do Riocentro foram chamados nos anos seguintes a comandar a área de segurança pública de Estados. Nilton Cerqueira, por exemplo, foi secretário de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro entre 1995 e 1998, no governo de Marcello Alencar (PSDB).

A juíza federal do Rio que aceitou a denúncia, Ana Paula Vieira de Carvalho, observou que episódios de tortura, homicídio e desapareci­mento de pessoas cometidos por agentes do Estado devem ser considerad­os crimes contra a humanidade. Disse ainda que, como previsto no direito internacio­nal e pela Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos, crimes contra a humanidade são imprescrit­íveis.

Essa decisão reacendeu o debate sobre a responsabi­lização de agentes militares por crimes cometidos durante a ditadura, abrindo uma batalha judicial que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois tribunais, no entanto, não quiseram reabrir o caso Riocentro, deixando sem solução um dos acontecime­ntos mais emblemátic­os do período de repressão brasileira.

Em julho de 2014, menos de dois meses depois da decisão da juíza do Rio, um habeas corpus contra o recebiment­o da denúncia foi analisado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Por 2 a 1, a Primeira Turma decidiu trancar a ação penal, ao concluir que o caso já estava prescrito, ou seja, o Estado não poderia mais punir os acusados por causa do transcurso do tempo desde o atentado.

 ?? ARQUIVO/ESTADÃO ?? Ato. Uma bomba explodiu dentro de um Puma durante show no estacionam­ento do Riocentro em celebração do 1º de Maio
ARQUIVO/ESTADÃO Ato. Uma bomba explodiu dentro de um Puma durante show no estacionam­ento do Riocentro em celebração do 1º de Maio

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil