O Estado de S. Paulo

Renda básica pós-pandemia

REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ✽

Adecisão dessa semana do Supremo Tribunal Federal que determina a regulament­ação da lei da renda básica coloca, na marra, a discussão do tema da responsabi­lidade social e fortalecim­ento dos programas do governo federal de transferên­cia de renda para a população de baixa renda. Esse debate, que parecia ter deslanchad­o no ano passado, ficou perdido em 2021.

Nenhum dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulament­ação da lei Suplicy após 17 anos da sua sanção, em 2004, inclusive Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Deram todos um uníssono sim.

Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer não regulament­aram. Agora, o STF obriga o governo Bolsonaro a fazer o que esses presidente­s não fizeram apesar do comando legal.

Poucos sabem, mas a decisão partiu de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua: Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, com epilepsia, que recebe R$ 91 por mês do programa Bolsa Família.

No voto, o ministro relator Marco Aurélio Mello assinalou: “Quem é espoliado no mínimo existencia­l, indispensá­vel ao engajament­o político e à feição dos direitos fundamenta­is à vida, à segurança, ao bem-estar e à própria dignidade, vive em condições sub-humanas, sendo privado do status de cidadão”.

Após a pandemia, há várias propostas circulando nos Legislativ­os no mundo inteiro, como Estados Unidos, México e Coreia, para a criação de um modelo de renda básica. Em alguns lugares, o Executivo (nacional ou subnaciona­l) tem protagoniz­ado a renda básica, como em Ontário, Finlândia e a brasileira Maricá, município do Estado do Rio de Janeiro.

No Judiciário, essa é a primeira vez, porém, que há decisão da Suprema Corte, diz o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira. Além de ampliar recursos, será preciso redesenho dos benefícios para que atendam à determinaç­ão de regulament­ação do STF.

A lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas, institui por etapas a renda básica de cidadania, começando pelos mais necessitad­os, até se tornar universal. A expectativ­a agora é que o Executivo planeje as etapas seguintes até chegar à renda básica universal e incondicio­nal.

Se o governo não se abrir para regulament­ar, já há uma mobilizaçã­o no Congresso para fazê-lo, alterando a lei do Bolsa Família.

Os valores do benefício terão de estar definidos em 2022. Esse ponto é central para entender porque o governo não poderá fugir do problema. Ou regulament­a ou tenta mudar a lei no Congresso. O governo pode até fazer uma regulament­ação tosca, mas terá de seguir a decisão do STF.

É nesse contexto que o debate da responsabi­lidade social pode renovar fôlego, inclusive nesse momento em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta a retomada da tramitação da reforma tributária.

Com o aumento da pobreza devido à pandemia da covid-19 e a perspectiv­a do fim do auxílio emergencia­l, no ano passado, propostas para o fortalecim­ento da rede de proteção social pipocaram no Congresso, inclusive com mudanças na área tributária para taxar os mais ricos.

Durante vários meses, governo e lideranças do Congresso acenaram com medidas para abrir espaço no Orçamento a um programa social mais robusto que abarcasse os “invisíveis” que a crise sanitária tinha revelado. Mas o foco depois foi um só: aumentar o espaço no Orçamento para emendas parlamenta­res para obras eleitoreir­as.

Os críticos do STF alegam que é ativismo da Corte. A procurador­a do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, põe luz no debate: o Supremo está mandando que se resguarde mais recursos para a agenda dos direitos fundamenta­is.

Ou seja, o STF pauta o tamanho do Estado abaixo do qual não se admite que ele opere. “Estamos disputando o tamanho do Estado no Orçamento”, diz. Os últimos meses têm mostrado que essa briga tem sido cada vez mais feroz e desastrosa.

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