O Estado de S. Paulo

‘Empresa que paga menos a mulheres descumpre a lei’

Nova regra para coibir discrimina­ção salarial poderá ajudar a corrigir descompass­o histórico, afirma professora

- Idiana Tomazelli /

Pagar salário diferente para homens e mulheres que exercem a mesma função é o mesmo que dizer que o trabalho delas é “menos valioso”, o que é injustific­ável, avalia a economista Regina Madalozzo, PHD em Economia pela Universida­de de Illinois e coordenado­ra do Núcleo de Estudos de Gênero no Insper. Ao Estadão/broadcast, ela diz que não faz sentido o argumento de que, caso seja sancionada a lei que coíbe a discrimina­ção salarial, mulheres podem perder o emprego – como insinuou o presidente Jair Bolsonaro. “Essa fala só se justifica se você acha que as mulheres estão em média piores do que os homens, que elas merecem esse salário.”

• Qual sua avaliação sobre o projeto que amplia a punição para discrimina­ção salarial? Quando a gente vê que mulheres são remunerada­s (em valor) diferente dos homens para exercer a mesma função, me parece que é razoável imaginar que isso não é correto. Se elas estão exercendo a mesma função, com certeza o desempenho também é igual, então não é justo que você pague diferente. Só que você precisa de incentivos para que isso aconteça. E é aí que entra essa lei. As leis trabalhist­as e a Constituiç­ão já dizem que é proibido discrimina­r pessoas. A importânci­a de uma lei assim é sinalizar que nós estamos de acordo que as pessoas devem ser remunerada­s de forma igual.

• O presidente Jair Bolsonaro mencionou o risco de essa mudança prejudicar a empregabil­idade da mulher.

Essa fala só se justifica se você acha que as mulheres estão em média piores do que os homens, que elas merecem esse salário. A partir do momento em que você acha que as mulheres são tão competitiv­as, tão eficientes quanto os homens, não faz sentido. A empresa (que paga menos) está descumprin­do uma lei. A multa é para fazer a empresa cumprir a lei. Parece um tanto absurdo justificar o não prosseguim­ento de uma lei para permitir que as empresas continuem remunerand­o fora da lei. É ilegal remunerar duas pessoas, pelo mesmo serviço, de forma diferente. É discrimina­ção, é proibido.

• As mulheres têm uma participaç­ão menor no mercado de trabalho. Por que isso ocorre? Por vários fatores. Há uma naturaliza­ção de que a mulher não precisa trabalhar, poderia ficar em casa e realizar os serviços domésticos. É uma ideia que permanece. Mas já tem há muito tempo uma inserção muito grande. E, no fundo, elas geram muita possibilid­ade de cresciment­o para o País. Há algumas estimativa­s mostrando que, se conseguíss­emos incluir mais mulheres no mercado de trabalho, teria uma taxa de cresciment­o do PIB muito maior. Quando uma mulher vai para o mercado, ela continua tendo de se dividir e mostrar ao empregador que ela é tão dedicada quanto um homem. Em algumas empresas, isso é bastante difícil, as mulheres já entram recebendo um salário mais baixo do que seria para um homem. Quando vai crescendo na carreira, o salário vai crescendo menos. Pode ser que as mulheres fiquem muito tempo paradas no mesmo cargo, com uma possibilid­ade de subir que não é dada por preconceit­o, por vieses inconscien­tes, por falta de percepção de que elas teriam mais capacidade. Tudo isso contribui para que a mulher no mercado de trabalho seja vista de um jeito diferente do homem. E a discrimina­ção salarial só reforça tudo isso.

• O entendimen­to mais clássico diz que o salário reflete a produtivid­ade do trabalhado­r. As mulheres são menos produtivas ou há evidências do contrário?

É uma pergunta difícil de responder. Como a gente mede produtivid­ade no trabalho? Para trabalhos muito mecânicos, você conseguiri­a manter a produtivid­ade em termos de produção. Nenhuma pesquisa que você faça mostra que as mulheres em trabalhos mecânicos são piores do que os homens. A produtivid­ade dos homens e das mulheres é igual. Agora, quando você chega num certo nível dentro da empresa, muitas vezes ela é medida de forma subjetiva. É pela forma como você participa de uma reunião, o tom de voz. E, quando você tem um ambiente que discrimina um grupo de pessoas, você avalia pior essa pessoa do grupo discrimina­do. É como se as empresas acreditass­em que talvez as mulheres possam ser menos produtivas, mesmo elas não sendo. Um caso interessan­te foi de um homem e uma mulher que trabalhava­m com atendiment­o de clientes numa empresa de TI (tecnologia da informação), eles respondiam tudo por e-mail. O chefe dessa mulher achava que ela era menos produtiva do que o colega dela. Um dia, ela e esse colega resolveram trocar o e-mail. Ela começou a responder aos e-mails dele, com o nome dele, e ele começou a responder aos e-mails dela. E aí ele viu o que ela passava. Os clientes duvidavam do que ela falava, não aceitavam as opiniões. E ela passou a ser superprodu­tiva no período que assinou como homem.

• Como a maior participaç­ão das mulheres no trabalho poderia ajudar a ampliar o PIB?

Mais gente trabalhand­o vai aumentar a produção, mas, mais do que isso, a diversidad­e da força de trabalho faz com que a rentabilid­ade das empresas também suba. Não é um mecanismo causal, é uma correção. Um dos motivos que fazem as mulheres quererem sair do mercado de trabalho é o fato de se sentirem discrimina­das. Quando você diminui a discrimina­ção, aumenta diversidad­e nas empresas e, consequent­emente, tem maior probabilid­ade de aumentar o PIB.

• Círculo vicioso

“Quando você tem um ambiente que discrimina um grupo de pessoas, você avalia pior essa pessoa do grupo discrimina­do.”

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INSPER Meta. Regina Madalozzo: combate a vieses inconscien­tes

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