Guerra do ‘BBB 21’
Reality show será lembrado por ataques nas redes.
Como muitos brasileiros, Yolanda Falinácia, 24 anos, curte reality shows – e, claro, usa também as redes sociais para comentar a respeito. Mas algo mudou com o Big Brother Brasil 21. Em mais de uma década no Twitter, foi só na edição deste ano do programa que a publicitária mineira recebeu ataques na rede social por opinar sobre um dos participantes. Com encerramento da temporada marcado para terça-feira, o BBB21 será lembrado não apenas pelas excelentes audiências. A edição de 2021 também foi combustível para ataques, ofensas e crimes de racismo nas redes.
“Toda vez que eu postava críticas à Juliette (participante do programa), muita gente me xingava nos comentários e nas mensagens privadas”, conta Yolanda. Ela não esteve só.
Em 18 de abril, quando as participantes Pocah e Juliette se desentenderam, as torcidas de ambas passaram a discutir nas redes sociais. Posteriormente, a assessoria de Pocah divulgou que a filha de 5 anos da cantora recebeu xingamentos e mensagens de cunho racista por conta do episódio. Em uma das mensagens, um homem chamou a criança de “macaca do cabelo duro”. Os comentários foram feitos tanto no Twitter quanto no Instagram, e renderam um processo contra os envolvidos.
Algo parecido passou a acontecer também com o perfil oficial do participante João Luiz Pedrosa. Numa edição ao vivo do programa, o professor de geografia apontou para supostos comentários racistas do cantor Rodolffo, colega de confinamento na casa.
“Depois do que aconteceu, éramos loucamente atacados nas redes. Chegamos a fazer um post do quanto era preocupante a questão do combate ao racismo”, conta Yara Eleutério, administradora da conta do “brother” no Instagram.
Juliette também encarou comentários sobre sua origem nordestina dentro e fora da casa, em episódios em que seu sotaque foi motivo de deboche pelos “brothers”. Nas redes sociais, a paraibana foi atacada
“O meu nome sempre esteve nas redes sociais, mas agora eu tirei e não tem nem de onde eu sou. Vejo tanto ataque que tenho receio.” Yolanda Falinácia PUBLICITÁRIA E TELESPECTADORA DO ‘BIG BROTHER BRASIL’
com mensagens xenofóbicas – sua equipe teve de criar uma conta para denúncias de possíveis crimes contra a participante.
Em contato com a reportagem, a Rede Globo não se pronunciou sobre o assunto. Tanto a assessoria de Pocah quanto a de João afirmaram que, apesar do posicionamento da emissora de condenar as atitudes racistas, nenhum apoio ou atendimento foi prestado às famílias dos participantes.
O canal, porém, vem emitindo sinais para o público sobre o problema. No Plantão BBB, programa que vai ao ar nas tardes da emissora, a apresentadora Ana Clara Lima terminou a edição da segunda-feira passada dizendo: “É tão legal ter as torcidas que amam o Big Brother, que amam os personagens, mas é importante saber dosar”.
Origem. A origem dos ataques é complexa. A convivência entre as equipes dos perfis oficiais dos participantes parece amistosa – os ataques, portanto, não seriam orquestrados por um comando central. Porém, perfis que se identificam como fãs de participantes acabam apresentando comportamentos de “manada” não apenas na sua admiração, mas também na defesa desproporcional.
Esse tipo de fenômeno não é novo na internet, diz Adriana Amaral, pesquisadora do CNPq na área de cultura digital e professora de comunicação na Unisinos. “Isso sempre existiu na web porque existe na sociedade, mas na internet fica mais facilitado por conta de uma certa invisibilidade”, diz Adriana.
O sentimento de “terra de ninguém” da web, explica ela, deu força para que pessoas e grupos atrás de perfis falsos e bots pudessem se sentir livres para disparar ameaças – isso sem contar aqueles que surfam em algum assunto do momento apenas para distribuir ofensas e cometer crimes. “A internet de hoje dá a ideia de que esse comportamento momentâneo não tem tanta relevância”, diz Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
Um dos motivos pelos quais os ataques podem ter aumentado neste ano é a massiva imersão social pela internet durante a pandemia. Segundo Malini, não é possível culpar apenas a situação que o Brasil tem vivido no último ano, mas o confinamento e a falta de outros conteúdos podem ter ajudado a potencializar o comportamento.
“No momento em que a saúde mental de quem assiste também não está boa, episódios na ‘casa’ maximizaram esses comportamentos”, diz Malini.
Não é a primeira vez que o BBB testemunha seus participantes virarem objetos de adoração na rede – na edição do ano passado, os apoiadores da cantora Manu Gavassi fizeram bastante barulho. Porém, os ataques da edição 21 deixaram usuários de redes sociais em estado de alerta constante.
Muitos apontam o comportamento da torcida de Juliette Freire como uma das mais engajadas na legítima defesa da participante. Ficaram conhecidos também pela grande mobilização em procurar comentários em que Juliette fosse citada. A reportagem procurou a equipe de Juliette, mas não teve resposta.