Uma oportunidade para a América Latina
Ao longo do século 20 a América Latina estava associada aos maiores índices de desigualdade. Mas, nas últimas décadas, a desigualdade econômica e social cresceu nas economias avançadas, como nas economias em desenvolvimento, e nos primeiros 15 anos do século 21 a América Latina foi a única região a experimentar progressos significativos nessa área. Esses acontecimentos estão intimamente conectados ao superciclo das commodities entre os anos 2000 e 2014. O recente aumento no preço das commodities sugere que um novo ciclo pode estar começando. Oportunamente, um estudo do FMI analisou as relações entre o ciclo das commodities e o desenvolvimento social na América Latina.
Um superciclo é um período estendido durante o qual uma demanda inesperada eleva os preços bem acima de suas tendências históricas. Suas alavancas são tipicamente a industrialização e o crescimento acelerados de um país ou região. Foi assim na industrialização dos EUA no início do século 20 e na ascensão da China no início do 21. À medida que a oferta aumenta e o crescimento da demanda se desacelera, o ciclo entra em uma fase descendente.
Economistas sugerem que o atual aumento nos preços de commodities pode sinalizar um novo ciclo, abastecido, sobretudo, pelos estímulos fornecidos pelos governos durante a pandemia. Para analistas do JPMorgan, por exemplo, a corrida pelas commodities nos anos 20 será caracterizada pela recuperação pós-pandêmica, assim como por políticas monetárias e fiscais ultraflexíveis. A luta contra as mudanças climáticas também pode impulsionar a demanda por metais necessários para a infraestrutura de energia, baterias e veículos elétricos.
Desde o declínio do ciclo anterior, por volta de 2014, o progresso contra a pobreza e a desigualdade na América Latina se desacelerou – em alguns casos se reverteu. A covid-19 está agravando dramaticamente esta tendência. Cerca de 19 milhões de latino-americanos caíram na pobreza e a desigualdade cresceu 5%. Os subsídios públicos evitaram o pior, mas pressionam a dívida pública.
“Ainda assim”, dizem os analistas do FMI, “a perspectiva para a pobreza e a desigualdade na região pode ser mais luminosa por duas razões: (i) a reelevação dos preços das commodities; e (ii) a oportunidade oferecida pela pandemia para um consenso político e social mais amplo sobre as reformas necessárias.” O estudo sugere o enfrentamento de três grandes problemas estruturais da região.
Primeiro, finanças públicas mais progressivas. “A América Latina deveria aumentar a progressividade do Imposto de Renda focando na retirada das isenções tributárias e combatendo a evasão fiscal.” No campo dos gastos, a pandemia expôs a necessidade de aprimorar a canalização de suportes sociais. As rígidas despesas obrigatórias com salários e previdência dificultam os investimentos públicos e uma política fiscal sustentável. Em países como o Brasil, as reformas tributária e administrativa serão cruciais.
Em segundo lugar, a região deve investir na capacitação dos trabalhadores para o mercado do futuro. A pandemia agravou a desigualdade de oportunidades, de maneira que será imperativo priorizar investimentos no acesso e na qualidade da educação. Conjuntamente, será preciso enfrentar o alto índice de informalidade dos mercados de trabalho latino-americanos.
Finalmente, uma das lições mais importantes do último ciclo das commodities é a necessidade de implementar estratégias rumo à diversificação econômica. Isso pode envolver uma série de mecanismos, como acesso a crédito, serviços de apoio aos negócios por meio de fundos de capital de risco, bancos de desenvolvimento, agências de promoção de exportação, a criação de zonas econômicas especiais ou polos industriais.
O preço das commodities latino-americanas atingiu o seu valor mais alto desde 2011. Isso deve ter um impacto positivo sobre a pobreza e a desigualdade, mas não será suficiente para reduzi-las duradouramente. Como lembram os analistas do FMI, “a natureza volátil do preço das commodities significa que os ganhos de hoje podem ser as perdas de amanhã”.
Com um novo ciclo das commodities, é preciso aprender com as experiências do passado