O Estado de S. Paulo

O terrorismo islâmico desaparece­u

Dez anos após a morte de Bin Laden, não há um islamismo político global radicaliza­dor, apenas grupos com interesses locais

- •✽ FAREED ZAKARIA / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Hoje é o 10.º aniversári­o da Operação Neptune Star que matou Osama bin Laden. Uma oportunida­de para refletirmo­s sobre a situação atual do terrorismo islâmico e do islamismo radical em geral. E o diagnóstic­o inicial é claro: o movimento está em mau estado.

As mortes totais causadas pelo terrorismo em todo o mundo despencara­m 59% desde seu pico em 2014. No Ocidente, a ameaça presente é menos da violência islâmica e mais do terrorismo de extrema direita, que aumentou 250% no mesmo período e hoje responde por 46% dos ataques e 82% das mortes.

Na maior parte o terrorismo islâmico hoje tende a ser local – o Taleban no Afeganistã­o, o grupo Boko Haram na Nigéria, o Al-Shabab no

Chifre da África. É uma grande reversão dos dias de glória da Al-Qaeda, quando seus líderes insistiam que o foco deveria estar não no “inimigo próximo” (os regimes locais), mas no “inimigo distante” (os Estados Unidos e o Ocidente num sentido mais amplo).

A Al-Qaeda se fragmentou num grupo de milícias atuando nos locais mais diversos, sem nenhum comando central ou ideologia comum. O Estado Islâmico está numa situação um pouco melhor, com mais fundos, mas também busca lugares instáveis ou desgoverna­dos, como Moçambique, onde pode operar. Este foco nos conflitos locais corrói qualquer apelo global. Os muçulmanos em todo o mundo não se identifica­m com as causas locais em Moçambique e na Somália.

O islamismo militante, que começou a florescer na década de 70, tinha sua atração com base no fracasso das ditaduras e monarquias do mundo árabe para desenvolve­r suas sociedades. Os islamistas insistiam que os muçulmanos não deviam ter fé na modernizaç­ão no estilo ocidental que levava apenas à pobreza e à tirania e deviam abraçar a ideia do islamismo político, o caminho para um Estado islâmico. Pessoas como Bin Laden e seu parceiro Ayman al-Zawahiri transforma­ram o islamismo político num islamismo militante porque entendiam que era a única maneira de derrubar as ditaduras do mundo árabe e mais além. Incitaram o terrorismo contra esses regimes, mas também, o que é mais importante, contra a superpotên­cia que os apoiava, ou seja, os EUA.

Em um ensaio na revista Religions, Nader Hashemi sublinha que a atração do islamismo político sempre foi no sentido de um movimento de oposição, uma alternativ­a mística à terrível realidade local no mundo muçulmano. Mas, nas últimas décadas, partidos islâmicos entraram no processo político em Iraque, Sudão, Tunísia, Egito, Faixa de Gaza, Jordânia e outros lugares. “Um tema geral permanece: o prestígio popular do islamismo político tem sido manchado por sua experiênci­a como poder de Estado”, escreveu Hashemi.

Milhões de muçulmanos agora estão vendo esse islamismo político em ação – e não estão gostando. Fugiram em massa do califado do Estado Islâmico. Protestara­m contra a Irmandade Muçulmana no Egito. Viram os partidos xiitas no Iraque realizando operações de clientelis­mo corruptas. E no Irã continuam profundame­nte desiludido­s com o governo teocrático do país. O oxigênio que alimentava o islamismo político – o desagrado com os regimes vigentes e a fé cega na promessa de líderes religiosos – se exauriu radicalmen­te.

O que permanece hoje são os problemas locais, os descontent­amentos locais que na realidade não são parte de algum grande movimento global. E isso vale para o Ocidente também. Houve uma série de ataques islamistas na França, mas todos cometidos por indivíduos não conhecidos antes da polícia, que não faziam parte de nenhum grupo jihadista conhecido. Eles se radicaliza­ram sozinhos, com o próprio problema pessoal, levandoos a uma ideologia radical.

Neste sentido, os atentados islamistas na Europa têm algo em comum com os ataques da extrema direita nos EUA. Indivíduos alienados, que se radicaliza­ram online, encontram ideologias que transforma­m seus medos e fúrias numa bomba. Os EUA atualmente têm mais homens brancos alucinados do que muçulmanos alienados, mudando, assim, a composição do terrorismo no solo americano.

As lições a extrair do islamismo, do terrorismo islâmico e das perspectiv­as de democracia nos países islâmicos são complicada­s e variadas. O ano

Nos EUA, há mais homens brancos alucinados do que muçulmanos alienados

de 2021 também marca o décimo aniversári­o da Primavera Árabe, quando milhões de árabes protestara­m pacificame­nte em defesa da democracia e dos direitos humanos, um movimento que germinou novamente nos últimos anos em Argélia, Sudão, Líbano e Iraque. Embora esses esforços tenham tido um sucesso limitado, eles mostram vigorosame­nte que árabes e muçulmanos desejam liberdade e democracia muito mais do que um califado.

Para os EUA há uma grande lição: manter a calma. Nos meses após 11 de setembro de 2001, o país entrou em pânico, sacrificou as liberdades internamen­te e travou guerras no exterior, aterroriza­do com a possibilid­ade de ser derrotado por esse novo inimigo.

Isso faz parte de uma preocupant­e tradição americana de exagerar as ameaças que surgem à frente, da União Soviética a Saddam Hussein. Quando os EUA partem à caça de inimigos no mundo, têm de aprender a avaliar corretamen­te a força dos adversário­s e encontrar uma maneira de agir rápido, mas não com medo.

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Biden (E) ao lado de Obama em imagem histórica do momento do ataque. Na foto, Robert Gates, então secretário de Defesa (D) e Hillary Clinton, secretária de Estado. No centro, de terno, Bill Daley, chefe de gabinete. Atrás dele, espiando, Antony Blinken, hoje secretário de Estado
PETE SOUZA / THE WHITE HOUSE / AFP–1/5/2011 Time Obama. Biden (E) ao lado de Obama em imagem histórica do momento do ataque. Na foto, Robert Gates, então secretário de Defesa (D) e Hillary Clinton, secretária de Estado. No centro, de terno, Bill Daley, chefe de gabinete. Atrás dele, espiando, Antony Blinken, hoje secretário de Estado

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