O Estado de S. Paulo

Parceria estratégic­a

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS ✽ É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIO­NAIS

Adeclaraçã­o infeliz do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que os chineses “inventaram” o vírus, mas desenvolve­ram vacinas menos eficazes do que os americanos, acabou servindo de oportunida­de para a China reafirmar o desejo de parceria estratégia com o Brasil.

Na manhã seguinte, o chanceler Carlos França telefonou para o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, para tentar superar o constrangi­mento. Logo depois desse telefonema, Yang entrou em um seminário virtual do Centro Brasileiro de Relações Internacio­nais (Cebri).

O embaixador contou que ambos reiteraram o desejo de continuar a colaboraçã­o no campo das vacinas. Yang acrescento­u que a China considera o Brasil “um parceiro estratégic­o na pandemia”, e “vai honrar o compromiss­o de tornar a vacina um bem público global e de fornecê-la ao Brasil”.

Os dois manifestar­am o desejo de manter boas relações, disse Yang, acrescenta­ndo: “Agora temos um diálogo muito fluido”, numa referência à saída do ex-chanceler Ernesto Araújo, que no Fórum Econômico Mundial de Davos propôs uma aliança do Brasil com os Estados Unidos para combater o “tecno-totalitari­smo” chinês.

No mesmo seminário, Xu Bu, presidente do Instituto de Estudos Internacio­nais da China, que assessora o governo chinês, observou: “China e Brasil são economias muito complement­ares. Temos muito o que nos beneficiar dessa relação. O potencial é enorme. Temos que abandonar preconceit­os ideológico­s. Não temos que escolher entre países”.

Com essa última frase ele estava concordand­o com o que tinha dito antes o embaixador e ex-ministro Sérgio Amaral, para quem o Brasil não tem de escolher entre Estados Unidos e China. “Estamos todos no mesmo barco”, continuou Xu. “Temos que trabalhar juntos contra os desafios globais. Nenhum problema global pode ser resolvido por um único país.”

O assessor deslocou sua reflexão do Brasil para o governo Joe Biden: “Começar uma nova Guerra Fria, intimidar outros países, falar em decoupling (descolamen­to das cadeias de produção), isolamento, só empurrará o mundo para a divisão e o confronto”.

Uma aula de paciência estratégic­a. Os chineses costumam olhar em perspectiv­a. “Eles veem as relações com o Brasil no longo prazo, para além do atual governo”, me disse Henrique de Moura Reis, gerente de Relações Internacio­nais do China Trade Center.

O Brasil foi o primeiro país declarado pelo governo chinês “parceiro estratégic­o global”, em 2012, durante visita do então primeiro-ministro, Wen Jiabao, no contexto da Rio+20.

A complement­aridade é total: o Brasil precisa de investimen­tos em infraestru­tura e de importar produtos industrial­izados. A China tem US$ 3,2 trilhões em reservas e precisa de alimentos e matéria-prima. Outros países, que poderiam se encaixar nesse papel, como Índia, Austrália e EUA, mantêm disputas geopolític­as com a China.

Os chineses veem no longo prazo, mas agem no curto. O chanceler fez um relato na Comissão das Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados de sua conversa telefônica com o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi.

França pediu apoio na aquisição de 30 milhões de doses da vacina da Sinopharm, para entrega ainda no segundo trimestre deste ano, e de ingredient­es para a produção no Brasil de 60 milhões de doses da vacina da AstraZenec­a. Segundo ele, Wang se compromete­u a fazer todo o possível para que as entregas ocorram a partir deste mês, já que em abril a China estava focada em vacinar a própria população.

Em mandarim, os caracteres da palavra “crise" (“weiji”) estão presentes em “perigo” (“weixian”) e “oportunida­de” (“jihui”). O Brasil é indiferent­e ao perigo, como atestam, tragicamen­te, as 400 mil mortes por covid, muitas delas evitáveis. Seria bom se começasse a ser mais atraído pelas oportunida­des.

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