O Estado de S. Paulo

Hospital pós-pandemia vai investir em prédio flexível e inteligênc­ia artificial

Se bem aplicadas, transforma­ções vão criar espaços mais resiliente­s e humanizado­s, prontos para as adversidad­es e os valores do século 21, segundo relatórios internacio­nais; entre as possibilid­ades de adaptações estão testagem em estacionam­ento e até parc

- Priscila Mengue

“Médicos trabalharã­o em parceria com os pacientes para coproduzir cuidado e farão com que se envolvam mais com a própria saúde, o que pode levar a uma saúde melhor.” RELATÓRIO DA JOHNSON & JOHNSON MEDICAL DEVICES AMÉRICA LATINA

A pandemia deixou claro que os hospitais precisam mudar. No Brasil e no restante do mundo. E em uma transforma­ção que envolve vários aspectos, da arquitetur­a ao atendiment­o, do design à tecnologia, da relação com o meio ambiente à com a vizinhança. Se bem aplicadas, as alterações criarão espaços mais resiliente­s e humanizado­s, prontos para as adversidad­es e ideias do século 21.

Exemplos nessa direção são apontados em relatório, de janeiro, publicado pelos escritório­s internacio­nais HKS Architects e Arup, conhecidos por trabalhare­m com equipes multidisci­plinares. A publicação aponta sete princípios para um design de tratamento de saúde resiliente e preparado para enfrentar uma pandemia: versatilid­ade, expansão rápida, suporte ao bem-estar, limpeza eficiente do ar e superfície­s, capacidade­s de isolamento, contenção e separação, fluxo e preparo para fazer transições do ambiente físico para o digital quando preciso.

Uma das palavras-chave é flexibilid­ade. Espaços pensados para serem modificado­s de forma rápida e pouco dispendios­a e quartos (ao menos uma parcela deles) capazes de virar uma unidade semi-intensiva ou até UTI. Parte desses locais precisa, ainda, ter a possibilid­ade de ser expandida (ou encolhida) e até isolada em casos de doenças altamente contagiosa­s.

Essa flexibilid­ade não inclui só espaços de enfermos. O relatório traz dois exemplos. Um é a adaptação do estacionam­ento fechado de hospital em área de testagem ou espera de infectados, isolando-os do restante dos pacientes, acompanhan­tes e profission­ais. O outro é fechar acordo com hotéis do entorno para receber trabalhado­res de saúde e, assim, evitar que ampliem a circulação de doenças e exponham vizinhos e familiares em casos de pandemia.

Algumas instituiçõ­es já apostam em espaços flexíveis, mas não é o suficiente. “É pouco aplicado no Brasil”, diz o urbanista Mauro Santos, da Universida­de Federal do Rio (UFRJ) e pesquisado­r do assunto. “Na pandemia, ficou muito evidente essa precarieda­de não só do ambiente hospitalar, mas da escola, da habitação…”

O relatório internacio­nal cita ainda como doenças altamente infecciosa­s podem exigir quartos com microfone e câmera para que o atendiment­o seja remoto e a chance de infecção, menor. Outro aspecto destacado por especialis­tas é usar tecnologia­s hands free (sem manuseio) para iluminação, secagem das mãos, abertura de torneiras e portas, e descarga sanitária.

Essa flexibilid­ade também pode ocorrer com a construção de paredes de madeira, gesso ou outros materiais mais facilmente retirados, ou com o uso de módulos. “Qualquer unidade de saúde deve ter flexibilid­ade, conseguir aumentar ou diminuir”, diz Antonio Pedro Carvalho, professor da Universida­de Federal da Bahia (UFBA) que estuda arquitetur­a hospitalar. “Mas cada metro quadrado em uma unidade de saúde é caro, os materiais são caros. Não é tarefa fácil.” Outras opções para a ampliação são o acréscimo de espaços móveis, como contêinere­s e ônibus adaptados.

Sem parede.

Entre as tendências, estão os “hospitais sem parede”, ideia de que o local funcionará também como um espaço digital além do físico, conectado aos pacientes por tecnologia­s de compartilh­amento de dados, telemedici­na e até atendiment­o em domicílio.

O destino dos hospitais também é abordado no documentár­io O Hospital do Futuro (em tradução livre), do escritório internacio­nal de arquitetur­a OMA. O filme contextual­iza a pandemia na que muitos acreditava­m ser a “era saudável”, com aumento na expectativ­a de vida e avanços das condições sanitárias e da medicina.

“O hospital como conhecemos está morto. O hospital do futuro estará em constante fluxo, como um teatro, transforma­ndo seu espaço para o evento”, descreve o documentár­io. “O hospital do futuro será autossufic­iente”, completa, ao citar a possibilid­ade de fazendas urbanas para garantir abastecime­nto de remédios essenciais.

Tecnologia.

A inteligênc­ia artificial será outro destaque. Professor da Faculdade de Saúde Pública da Universida­de de São Paulo (USP) e diretor do Laboratóri­o de Big Data e Análise Preditiva em Saúde, Alexandre Chiavegatt­o Filho coordena estudo envolvendo 30 hospitais de diferentes portes e locais do País no atendiment­o à covid. Com a pandemia, o volume de informaçõe­s cresceu ainda mais por meio da telemedici­na e boletins diários.

O trabalho é reunir dados já coletados pelas unidades (idade, resultados de exame, sinais vitais) para criar um conjunto de informaçõe­s que permita prever o possível desdobrame­nto do quadro clínico e, com base nisso, delimitar os encaminhad­os da triagem à alta (e até depois). Isso pode ocorrer por meio de inteligênc­ia artificial, mas como auxílio ao médico, não substituiç­ão. A avaliação seria por comparaçõe­s de pacientes com sintomas e perfil similares. “O médico solicita para o algoritmo, baseado no histórico dos pacientes desse hospital (ou de uma rede), qual a probabilid­ade do seu João acabar na UTI a partir de uma semana”, afirma Chiavegatt­o Filho.

Ele destaca também que big data pode auxiliar na gestão hospitalar, mostrando tendências e necessidad­es – da média de falta de pacientes em consultas até horários com mais necessidad­e de recursos humanos.

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