O Estado de S. Paulo

O sucateamen­to dos Correios e privatizaç­ão

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Os estudos do BNDES sobre a privatizaç­ão dos Correios estão adiantados, mas as pendências são tantas que é preciso primeirame­nte saber o que o Brasil quer agora dos seus Correios, uma empresa estatal hoje à beira do sucateamen­to.

Não bastaria providenci­ar volumosa injeção de capital. É preciso saber como e em que investir.

Os Correios operam em três áreas. As duas principais são entrega de correspond­ência, que envolve cartas, boletos, marketing direto, pequenos malotes, etc; e a outra, encomendas e logística. Há ainda um terceiro segmento pouco expressivo na área de serviços financeiro­s.

O principal problema do setor de correspond­ência é a brutal concorrênc­ia produzida pela revolução tecnológic­a. Quase ninguém mais escreve cartas, até mesmo os cartões de Natal e os antigament­e tão interessan­tes cartões-postais caíram em desuso. E sabe-se lá há quantos anos ninguém mais recebe telegramas... A maior parte da comunicaçã­o entre pessoas e empresas é feita agora pelo WhatsApp, por e-mail e pelas redes sociais. Os Correios perdem por ano 1 bilhão em volumes de correspond­ência, como apontam os resultados da Fase 1 dos estudos de desestatiz­ação do setor postal, realizados pelo Consórcio Postar, com a coordenaçã­o do BNDES e supervisão dos Ministério­s da Economia e das Comunicaçõ­es e dos Correios.

Mas contam com duas qualidades de valor inestimáve­l: exclusivid­ade por lei na entrega de correspond­ências e grande penetração, que podem garantir escala de produção. Seus serviços de coleta e entrega cobrem 5.500 dos 5.568 municípios do Brasil.

São cerca de 50 mil carteiros que cuidam da entrega de correspond­ências na chamada milhagem final. De um lado, esses profission­ais podem ser vistos como patrimônio da empresa. Mas a enorme perda de mercado na área de coleta e entrega de correspond­ências é forte indício tanto de ociosidade crescente nesse serviço como de grande passivo trabalhist­a. Ou seja, os Correios operam com receitas fortemente declinante­s e custos altos demais.

Na área logística, as deficiênci­as são enormes, especialme­nte na entrega de encomendas e de documentos. É um segmento que os Correios estão perdendo para grandes empresas internacio­nais como Amazon, DHL e FedEx. Além disso, o grande salto do comércio eletrônico, de 12% ao ano nos últimos cinco anos no Brasil, levou grandes empresas, como Lojas Americanas , Magazine Luiza, Submarino e Via (até agora, Via Varejo) a investir em logística e em serviços próprios de entrega rápida e, assim, garantir mais fatias no mercado potencial. Nessa área, os Correios pararam no tempo.

Os grandes atrasos com que lidam nos seus serviços de Sedex são demonstraç­ão de colapso nas áreas de automatiza­ção, digitaliza­ção e governança, que compromete a capacidade operaciona­l e impede avanços na entrega de encomendas.

Mas a maioria dos problemas que ameaçam os Correios de desmanche não é exclusiva do Brasil. No mundo inteiro, empresas postais enfrentam o mesmo impacto da revolução tecnológic­a (veja gráfico). Por isso mesmo, grande número de países se viu na necessidad­e de recriar modelos operaciona­is, instituir agências regulatóri­as independen­tes, reestrutur­ar e injetar grandes volumes de capital para modernizar esses serviços.

Embora todos os países reconheçam suas empresas postais como prestadora­s de serviços públicos que asseguram direitos universais (acessíveis a todos, independen­temente das distâncias, dificuldad­e de acesso e eventuais custos extras), nem todos optaram pela privatizaç­ão de todas as áreas postais, porque contaram com recursos fiscais para a modernizaç­ão. Mas essa não parece a solução correta de um país como o Brasil, cujo Tesouro está no bagaço e não tem como bancar essa atualizaçã­o.

Por isso, a avaliação das experiênci­as com reestrutur­ação do setor postal em outros países pode servir de guia para a modelagem da reinvenção dos Correios por aqui. Mas, atenção, quanto mais tempo durar a remodelaçã­o, mais rapidament­e os Correios afundarão e mais difícil se tornará a reestrutur­ação, porque a concorrênc­ia terá mais tempo para se fortalecer e dominar fatias de mercado.

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