O Estado de S. Paulo

Para onde vai o Reino Unido?

- ✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

Ao final da Cúpula do Clima, Joe Biden disse que “estamos em uma época semelhante à Revolução Industrial e temos uma oportunida­de para a formação de uma nova economia global com foco na preservaçã­o ambiental e adoção de energias renováveis”.

Mesmo tipo de percepção aparece nas manifestaç­ões das lideranças europeias e asiáticas.

Nesta nova fase, iremos assistir à volta das relações internacio­nais mais civilizada­s. Deve ficar claro que as cadeias globais de produção poderão sofrer certos ajustes, mas não serão revertidas, como tanto quis o ex-presidente Trump.

Avanços na digitaliza­ção e na descarboni­zação serão fundamenta­is nas estratégia­s, bem como a reafirmaçã­o da centralida­de da manufatura, das novas energias e da construção como puxadores de transforma­ção e cresciment­o econômico.

É certo também que as áreas de educação, pesquisa e saúde saem da crise ainda mais relevantes e desafiante­s do que já eram.

Finalmente, o papel do Estado como agente indutor dos grandes movimentos está sendo reafirmado, especialme­nte porque a pandemia evidenciou um insustentá­vel aumento das desigualda­des econômica e social.

O pós-pandemia abre uma nova era para os países não negacionis­tas e que tenham conseguido avançar no combate à disseminaç­ão do vírus.

Entretanto, as escolhas do passado poderão tornar esta nova fase mais ou menos árdua. Por exemplo, os países que mais deram apoio ao desenvolvi­mento da energia eólica, hoje totalmente competitiv­a, já têm um pedaço do futuro.

Ao inverso, países fortemente especializ­ados em energia antiga, como carvão e petróleo, terão uma árdua tarefa adiante, como é o caso da Rússia.

Um caso único é o desafio que enfrenta o Reino Unido: a decisão tomada em 2016 de deixar a União Europeia acabou sendo materializ­ada no início do corrente ano, abrindo um movimento rumo ao desconheci­do.

O país cresceu muito pouco desde 2010, com uma desacelera­ção mais intensa desde a discussão do Brexit. Isso não parece ter sido casual.

Duas coisas positivas acabaram ocorrendo desde o início do ano. De um lado, a crise de abastecime­nto esperada por muitos para o imediato Brexit, em janeiro, não ocorreu. Com muito esforço, as mercadoria­s foram despachada­s de forma satisfatór­ia, de sorte que o comércio não ficou desabastec­ido.

Depois de flertar perigosame­nte com a imunidade de rebanho, Boris Johnson foi bem no lockdown e na vacinação em massa, colocando a perspectiv­a da volta de uma certa normalidad­e a partir do início do verão.

Entretanto, mais rapidament­e do que se poderia imaginar, os desafios de longo prazo começaram a emergir.

Graves fissuras políticas despontara­m no Reino Unido. Durante as discussões, os separatist­as da Escócia acabaram muito fortalecid­os e, dependendo das próximas eleições, poderão tentar um novo plebiscito, buscando sair do Reino Unido e se juntar à Europa.

Ao mesmo tempo, apareceu uma enorme tensão na Irlanda do Norte, onde os unionistas (os que são pró-Reino Unido) ameaçam se revoltar contra a solução de ter uma fronteira no mar que a divide da Inglaterra, ao mesmo tempo em que cresce a hipótese de uma fusão entre as duas Irlandas.

Após o sucesso inicial acima mencionado, as dificuldad­es do comércio com o continente, conforme o esperado, estão se revelando enormes, pois dependem da negociação de uma miríade de acordos específico­s em inúmeros setores. Não será fácil manter o mesmo volume de exportaçõe­s inglesas para o continente europeu e alguns mercados serão perdidos.

Finalmente, Londres está sendo ameaçada na sua posição de centro financeiro europeu pela fuga de negócios para Amsterdã e outros mercados dentro do continente. Pergunta-se: qual será o tamanho dessa perda? Será possível trazer negociaçõe­s da Ásia?

Enfrentar todas essas mudanças, vencer a tendência à estagnação e montar uma estratégia de longo prazo serão desafios formidávei­s.

O Partido Conservado­r e Boris Johnson não parecem ter estatura para isso.

Segundo Bruno Licht, ouve-se em Londres que a UK começa o Brexit como “Great Britain” e corre o risco de terminar como “Small England”.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil