O Estado de S. Paulo

‘Audiência que ataca é resultado de lógica da humilhação’

Fabio Malini, professor da Universida­de Federal do Espírito Santo

- B.A.

Chegando em sua reta final, o Big Brother Brasil 2021 mostrou como comportame­ntos tóxicos dentro da “casa” podem ser transporta­dos para fora do programa. Em entrevista ao Estadão, Fabio Malini, professor da Universida­de Federal do Espírito Santo, refletiu sobre como as torcidas do BBB reproduzem os discursos da “casa” e o quanto a identifica­ção com um personagem pode gerar ações exageradas nas redes sociais. Confira os principais trechos da entrevista:

• É possível afirmar que comportame­ntos ofensivos nas redes sociais aumentaram?

Hoje, o usuário que ofende está em multiplata­formas de redes sociais. Isso cria um modus operandi da linguagem bastante diferente daquela internet da primeira década. O usuário tende a fazer textos como se fossem falas que não são registrada­s. Acho que essa internet dá uma ideia de que o texto não é algo tão relevante assim. Quando esses textos se transforma­m em ofensa, eles têm um certo tipo de normalizaç­ão. Então, quando você tem uma situação em que há um elemento emocional muito forte envolvido, isso vira um motivo para construir uma face pública totalmente desregulad­a de qualquer princípio ético. A normalizaç­ão da “trolagem” vira uma cultura permissiva, de esculachar o outro, como uma forma para que as críticas ou os pontos de vista sejam aceitos. Passa do limite.

• Esse comportame­nto encontra na internet formas mais fáceis de achar semelhante­s?

A internet é uma estrutura baseada em relações e é uma estrutura muito organizada, ao contrário do que diz o senso comum. Ela é baseada em determinad­os indivíduos e tem uma capacidade de integrar uma comunidade em torno deles. Quando essas comunidade­s se aglutinam em torno de um alvo, seja para atacar ou defender, esses hubs trazem essas comunidade­s que, com o tempo, vão criando uma coesão em torno de alguns valores. Esses valores são o cimento dessa grande rede.

• Como as caracterís­ticas de cada rede social também contribuem para os ataques?

O Twitter é uma rede com viés mais militante, mais informacio­nal. As disputas estão associadas ao compartilh­amento de algumas identidade­s, de alguns valores. E valores bem marcados. Existem grupos que defendem, por exemplo, a pauta da política de gênero, e a gente vai ter ali uma pauta que vai correr mais próxima do programa, e várias personalid­ades vão escolher as pessoas em função dessa identidade. Isso aglutina tanto “haters” quanto “lovers”. Quando a gente se desloca para o Instagram, que é um universo das marcas, de outras caracterís­ticas, você vai ter outros personagen­s, mais ligados à lealdade, à fidelidade das marcas, que tem muito a ver com a força dos próprios influencia­dores. São exemplos que acabam fazendo com que a própria plataforma tenha seu comportame­nto.

• O elenco desta edição contribui para o envolvimen­to passional?

Esse BBB tem aspectos muito parecidos com o do ano passado: tem alta popularida­de digital e se tornou uma espécie de válvula de escape. Você tem aí um entretenim­ento que é o coração

“A internet atual dá a ideia de que texto não é algo relevante. Quando isso se transforma em ofensas, existe um certo tipo de normalizaç­ão.”

Fabio Malini

PROFESSOR DA UFES

das redes sociais. Se você comparar entretenim­ento com política, é quase irrisório o volume de publicaçõe­s na área de política, é uma coisa muito pequena em relação ao que acontece no universo do entretenim­ento. O caso do início do programa (envolvendo o participan­te Lucas Penteado) maximizou um comportame­nto também de raiva das pessoas que, em uma visão positiva, resulta em indignação e, em uma visão negativa, resulta em ódio.

• É possível afirmar que o comportame­nto nas redes sociais tem semelhança com o comportame­nto dos próprios participan­tes dentro da casa?

A internet fez uma espécie de decalque da realidade social. Se você tem um programa em que a lógica da humilhação é deixada solta por quem o dirige, você vai ter uma audiência que tende a atacar. Você tem uma dinâmica que é uma espécie de ofensa em legítima defesa. Isso, obviamente, em um universo massivo de milhões de pessoas, provoca esse malestar. Eu acho que parte dessa ofensa e dessa raiva deriva de uma construção narrativa que o próprio programa decidiu fazer.

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