O Estado de S. Paulo

‘ESTEJA PRESENTE 100%, SEM DIVAGAR EM OUTRO PLANETA’

- /SOFIA PATSCH

A venezuelan­a Diana Silva, nascida em Caracas, chegou ao Brasil em 1998 para estudar massoterap­ia oriental, no Rio de Janeiro. Na época, ela era pianista e tinha os dedos machucados. De lá para cá muita coisa mudou e hoje ela é Zen Tchu, discípula e braço direito de Monja Cohen. “Foram três anos que fazia tudo para ela, até ser aceita como monja”, diz Zen Tchu, que quer dizer lealdade ao zen.

Para a coluna, a monja conta um pouco de sua trajetória, cheia de provações e como aplicar os preceitos budistas, do estar presente no aqui e agora, em tempos pandêmicos. Confira os melhores momentos da entrevista, feita por telefone, a seguir. • Como virou monja? Conheci minha mestra, Monja Cohen, há 18 anos, passeando com meu cachorro na rua. Fui falar com ela, peguei seu cartão e comecei a frequentar o seu mosteiro. E fui praticando, comecei a ficar cada vez mais no mosteiro, recebi os preceitos leigos, até que um dia eu disse que queria ser monja, e ela, por um tempo, me disse que não, me colocou à prova. Eu já morava com ela na comunidade, fui assistente, motorista, passeava com o cachorro, dava banho no cachorro, costurava a roupa dela, preparava a comida, limpava, que é o que faz um discípulo quando está sob a vigilância, os cuidados do mestre, ela tinha que me conhecer. • Quanto tempo ficou exercendo essas funções? Foram três anos até ela me ordenar. Hoje, as pessoas querem começar por cima e não é assim. Não sei quem é você, não sei sua vida, a sua prática, não sei se realmente é isso ou simplesmen­te um adorno a mais na sua vida, sabe, que ser monge dá prestígio. Que nada. Depois de um tempo eu disse que queria ir para o Japão. E logicament­e a resposta foi de novo não. Eu não vou te mandar pro Japão, eles vão te destruir, ela falou. E eu teimei, teimei, teimei, até que um dia ela disse sim. E foram quatro anos em Nagoya, no Mosteiro Aichi Senmon Nisodo, com a mestra dela, Shundo

Aoyama Roshi, uma sumidade budista, uma eminência.

• O que podemos tirar de bom da pandemia?

O budismo fala sempre em estar presente. É pegar o bonde andando, pega e sobe, porque você não sabe se esse bonde passa depois, ou se você vai estar aí quando ele passar de novo. Esteja presente na sua vida, mas nesse instante. E quando a gente diz vida, o que é? O aqui e agora. Nós tendemos a divagar, a ficar em um planeta que chamo de ‘maionesela­nd’. O treino budista é você ver que está saindo da sua vida, do seu propósito, de estar vivo e firme só no que você está fazendo nesse instante e se voltar 100% pra ele.

• Existem técnicas que ajudam a voltar ao aqui e agora?

Sim, temos exercícios respiratór­ios, inspira e expira quanto estiver muito nervoso, vê que a coisa está fugindo, escapando do seu controle, inspira, expira e volta. Volta pra sua vida. Existe o zazen, que é a meditação. Faço todos os dias, há mais de um ano, às 18 horas, no meu canal de Instagram, @zentchu, estão todos convidados.

• Acha que a meditação virtual vai continuar no pós-pandemia?

Com certeza. Tenho pessoas na Inglaterra, na Itália, na França. Quando sonhei com isso? Pessoas por todo o Brasil, que nunca teriam a possibilid­ade, seja por problemas financeiro­s ou de trabalho, que não poderiam vir pra São Paulo pra praticar. Então isso tem sido um instrument­o maravilhos­o de transforma­ção em lugares onde não teriam a menor possibilid­ade.

• O que acha do termo “novo normal”?

Discordo completame­nte. A realidade é como ela é. Não temos a capacidade de enxergar como ela é porque tem muitas deturpaçõe­s, o que chamo de temperos emocionais. Você vê uma chuva, se está apaixonado, enxerga como algo romântico, que traz memórias boas. Já a mesma chuva pode te deixar de mau humor, porque comprou um sapato novo e não quer estragar. Mas no fim a chuva é simplesmen­te chuva, é água que cai do céu. É isso. Nós que colocamos filtros para interpreta­r a realidade, e ela simplesmen­te é como é.

• Ninguém está só feliz ou só triste, a vida é feita de momentos...

Mas sempre existe o que o Buda chama de o caminho do meio. É o caminho do contentame­nto. Então os monges querem que a gente esteja rindo o tempo todo? De jeito nenhum. Contentame­nto é estar presente infinitame­nte grato por estar e ser. Simplesmen­te. Independen­temente da situação. Pode ser na doença, quanto na saúde. Porque senão você continua com a mente dividida.

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EDVALDO ARMELLINI

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