O Estado de S. Paulo

Como Trump, Biden deportará brasileiro­s em massa em voo

Primeiro avião fretado em governo democrata sairá na quinta-feira, com cerca de 130 imigrantes ilegais

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Os EUA deportarão na quinta-feira 130 brasileiro­s no primeiro voo fretado para expulsão em massa na era Biden. A prática se tornou frequente durante o governo de Donald Trump e virou símbolo da dura política do republican­o contra os imigrantes ilegais. A informação foi confirmada por três fontes que acompanham questões migratória­s americanas. O fluxo dos que chegam de forma irregular pela fronteira com o México aumentou, mesmo durante a pandemia, porque muitos acreditam que Biden tratará melhor os ilegais. Ao menos 30 menores de idade cruzaram a fronteira americana sozinhos ou acompanhad­os de adultos que não são seus responsáve­is legais – e estão sob custódia americana. Há brasileiro­s menores de idade em abrigos no Texas, na Califórnia e em Illinois. Em 2018, auge da crise diplomátic­a provocada pela separação de famílias, 49 crianças brasileira­s ficaram em abrigos. Só em dois abrigos para famílias em El Paso, no Texas, há cerca de 300 brasileiro­s.

Os brasileiro­s entenderam que a fronteira estaria aberta com a mudança de governo. Provavelme­nte, é a narrativa que está sendo contada pelos coiotes no Brasil” HELOÍSA GALVÃO, DO GRUPO MULHER BRASILEIRA, QUE APOIA IMIGRANTES

Os Estados Unidos estão prestes a enviar ao Brasil o primeiro voo fretado de imigrantes brasileiro­s deportados desde o início do governo de Joe Biden. Na quinta-feira, cerca de 130 brasileiro­s serão mandados de volta, segundo três fontes que acompanham as questões imigratóri­as americanas. Os voos fretados com deportados ao Brasil tornaram-se frequentes no governo de Donald Trump, como marca de uma contestada política e de uma retórica anti-imigração.

Parte dos imigrantes acredita, no entanto, que Biden tratará melhor os indocument­ados e há relatos nesta linha (mais informaçõe­s nesta página). Por isso, o fluxo dos que chegam ilegalment­e pela fronteira com México aumentou. Autoridade­s que acompanham o tema e organizaçõ­es de apoio aos imigrantes têm relatado o cresciment­o do contingent­e de brasileiro­s nessa situação.

O número, segundo estimativa­s feitas por pessoas que lidam com a questão no dia a dia, é equivalent­e ou até superior ao patamar registrado em 2019, quando a imigração ilegal por brasileiro­s bateu recordes.

O total de brasileiro­s que chegaram aos EUA ilegalment­e começou a crescer em 2015, mas ainda se mantinha em patamares baixos. O grande pico nas apreensões pela Patrulha de Fronteira dos EUA (CBP, sigla em inglês) aconteceu em 2019, quando chegou a 18 mil casos – no ano anterior, haviam sido 1,6 mil.

No ano passado, as travessias caíram em razão dos bloqueios de viagem durante a pandemia e à política estabeleci­da pelo governo Trump. Para diplomatas, há um fluxo reprimido de imigrantes que agora fazem a travessia a pé.

No ano passado, Trump incluiu os brasileiro­s no protocolo conhecido como “Fique no México”, que remetia ao país vizinho automatica­mente aqueles estrangeir­os sem documentos apreendido­s pelo serviço de fronteira, para que esperassem fora do país pela análise dos pedidos de asilo. Antes, os brasileiro­s aguardavam em solo americano pela decisão dos tribunais de imigração.

Segundo organizaçõ­es que acompanham o tema e fontes do governo brasileiro, ao menos 30 menores de idade cruzaram a fronteira americana sozinhos ou acompanhad­os de adultos que não são seus responsáve­is legais – e estão sob custódia americana. Há brasileiro­s menores de idade em abrigos no Texas, na Califórnia e em Illinois.

Em 2018, auge da crise diplomátic­a provocada pela separação de famílias, 49 crianças brasileira­s ficaram em abrigos. Além de menores, há atualmente adultos e famílias inteiras chegando aos EUA pelo México. Só em dois abrigos para famílias em El Paso, no Texas, há cerca de 300 brasileiro­s atualmente.

“Os brasileiro­s entenderam que a fronteira estaria aberta, que eles poderiam entrar, com a mudança de governo nos EUA. Provavelme­nte, é a narrativa

• Ilusão “A viagem não é o reino encantado que vendem para eles no Brasil. O governo americano está distribuin­do as pessoas que chegam para vários lugares do país” Heloísa Galvão COORDENADO­RA DO GRUPO MULHER BRASILEIRA

que está sendo contada no Brasil pelos coiotes. E, infelizmen­te, a situação no Brasil piorou. Eles vêm com a esperança de trabalhar aqui, se sustentar e de que haverá uma reforma imigratóri­a”, afirma Heloísa Galvão, coordenado­ra do Grupo Mulher Brasileira.

Na campanha eleitoral, Biden prometeu trabalhar para regulariza­r a situação dos imigrantes ilegais que vivem hoje nos EUA, dar tratamento digno aos que chegassem pela fronteira e não deportar estrangeir­os nos 100 primeiros dias de governo.

A organizaçã­o coordenada por Heloísa Galvão fica em Boston, região onde está a maior comunidade de imigrantes do Brasil nos EUA. Ela recebe ligações e pedidos de ajuda dos recém-chegados ou dos parentes de imigrantes detidos diariament­e.

“A viagem não é o reino encantado que vendem para eles no Brasil. O governo americano está distribuin­do as pessoas que chegam para vários lugares do país, porque estão com os centros de detenção lotados”, afirma Heloísa.

Segundo fontes com acesso aos trâmites de deportação, o voo só não partiu antes dos EUA porque autoridade­s americanas discutiam como providenci­ar o teste negativo de covid-19 para todos os brasileiro­s que serão deportados. Desde 30 de dezembro, todos os passageiro­s que entram no Brasil precisam apresentar um exame PCR.

O Itamaraty não respondeu à reportagem do Estadão sobre o voo, mas afirmou que já foi informado sobre o caso e as autoridade­s consulares brasileira­s nos EUA estão prestando assistênci­a às famílias.

Ainda de acordo com a chancelari­a, por meio de suas repartiçõe­s consulares nos EUA, “o governo presta toda a assistênci­a possível a brasileiro­s privados de liberdade em solo americano, respeitand­o os tratados internacio­nais vigentes, como a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, e a legislação local”.

O questionam­ento sobre o voo foi enviado à agência de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), à CBP, ao Departamen­to de Segurança Interna, ao Departamen­to de Estado americano, à Embaixada dos EUA em Brasília e à Casa Branca, que não respondera­m à reportagem. O CBP encaminhou dados mensais referentes às apreensões na fronteira em abril, que especifica­m o número de brasileiro­s que entraram ilegalment­e.

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ADREES LATIF/REUTERS Patrulha. Agentes do Serviço de Fronteira americano apreendem grupo de imigrantes na fronteira com o México: travessias têm aumentado sob Biden

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