O Estado de S. Paulo

Um jovem exemplar

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Bruno Covas mostrou-se à altura das melhores tradições paulistana­s, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.

Oprefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu ainda no início de sua trajetória política, mas isso não impediu que esse jovem quadro do PSDB desse muitas lições inclusive para os veteranos que parecem ter esquecido qual é a verdadeira missão dos homens públicos. Aos 41 anos, enfrentou com relativo sucesso o desafio de governar a maior cidade do País e uma das maiores do mundo em meio a uma pandemia e a sérias restrições orçamentár­ias, tudo isso diante de problemas crônicos da gigantesca metrópole.

A morte precoce não impediu que Bruno Covas gravasse seu nome na história da cidade. Mostrou-se à altura das melhores tradições paulistana­s, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.

Mesmo seus mais críticos adversário­s reconhecem em Bruno Covas a disposição para a verdadeira política – aquela em que as eventuais diferenças ideológica­s não são encaradas como obstáculos intranspon­íveis, mas como expressões legítimas de distintas visões de mundo.

O prefeito vinha fazendo sua carreira firmemente apegado à ideia de que a política não é briga de rua, e sim colaboraçã­o em nome de ideais superiores, tal como se comportava seu avô, o governador Mario Covas – que não pestanejou em manifestar apoio a Lula da Silva quando este disputou o segundo turno da eleição presidenci­al contra Fernando Collor em 1989, e que se juntou à candidata petista Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf em 2000.

Foi dessa maneira, aliás, que Bruno Covas tentou resgatar os valores do antigo PSDB, partido que fez história com a Presidênci­a de Fernando Henrique Cardoso, levando ao Palácio do Planalto, vitrine para o Brasil, o compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal e com a modernizaç­ão do Estado. Hoje perdido entre projetos de quem coloca suas ambições pessoais à frente dos imperativo­s históricos do partido, o PSDB vem perdendo musculatur­a moral para voltar a ser protagonis­ta da política. Bruno Covas era uma brisa de ar fresco em meio a essa atmosfera pesada.

O prefeito reconheceu o valor dos veteranos políticos tucanos que foram sendo deixados de lado em nome de uma ideia totalmente equivocada de competitiv­idade eleitoral e de renovação partidária. Fez questão de acompanhar o ex-presidente FHC quando este foi votar na eleição para a Prefeitura, no ano passado. Um contraste e tanto com a posse do governador tucano João Doria em 2019, que não foi prestigiad­a por nenhum dos antigos dirigentes tucanos – nem por Bruno Covas, que assumira a Prefeitura no lugar de Doria.

A renovação que Bruno Covas pretendia liderar era, portanto, de outra natureza. Significav­a não a destruição do passado social-democrata, tampouco uma guinada à direita reacionári­a, e sim a atualizaçã­o da plataforma política que se constituír­a, no passado, como alternativ­a política e eleitoral consistent­e.

Ao mesmo tempo, Bruno Covas demonstrou notável determinaç­ão para enfrentar as muitas crises que se apresentar­am durante sua curta passagem pela Prefeitura. Já em 2018, quando mal assumira o cargo, Bruno Covas teve que encarar o pandemônio causado pela greve dos caminhonei­ros. Montou um gabinete de crise, decretou estado de emergência e providenci­ou combustíve­l para abastecer veículos de prestação de serviços. Apesar de tudo, a cidade não parou.

Mas a pandemia foi o grande teste, do qual o prefeito saiu-se relativame­nte bem – a ponto de ter sido este um dos trunfos de sua vitoriosa campanha à reeleição. É evidente que a Prefeitura cometeu vários erros, e a cidade foi submetida a restrições muitas vezes confusas, sobretudo em áreas críticas, como a educação. Mas não se pode negar que Bruno Covas jamais se furtou de sua responsabi­lidade e sempre teve coragem de assumir publicamen­te seus atos, por mais impopulare­s que fossem.

Era, principalm­ente, honesto e sereno – qualidades singelas que andam escassas na embrutecid­a política brasileira. Que sua morte sirva para lembrar que a política pode voltar a ser assim.

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