O limite da obstrução parlamentar
Para o bem do livre debate, mudança foi menos gravosa.
Logo após a eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara dos Deputados, parlamentares alinhados ao governo de Jair Bolsonaro começaram a articular mudanças no regimento interno da Casa com vista a limitar a atuação da oposição. A articulação, com o apoio ostensivo de Lira e do próprio Palácio do Planalto, frutificou. No dia 12 passado, a Câmara aprovou, por 337 votos a 110, o Projeto de Resolução 84/2019, de autoria do deputado Eli Borges (Solidariedade-to), que muda as regras de funcionamento das sessões legislativas e, na prática, reduz as ferramentas que compõem o chamado “kit obstrução”. A alteração regimental já está em vigor.
Para o bem do livre debate no Parlamento, atributo primordial em qualquer democracia saudável, o texto promulgado foi menos gravoso do que poderia ter sido caso prevalecesse o teor da proposta original dos deputados bolsonaristas, muito mais restritiva à atuação de parlamentares que hoje estão na oposição. É sempre bom lembrar que os assentos da situação e da oposição em um Parlamento são mutáveis. As regras para a atuação parlamentar, no entanto, devem ser perenes, além de privilegiar a livre manifestação de todos os representantes da sociedade. Afinal, não é outra a natureza de uma Câmara Baixa.
O vice-presidente da Câmara,
deputado Marcelo Ramos (PL-AM), foi incumbido por Lira de negociar um texto consensual, ao final aprovado, entre seus colegas alinhados ao governo e os da oposição. Assim, chegou-se a uma solução mais equilibrada, ainda que, ao fim e ao cabo, a atuação das minorias tenha, de fato, sido limitada.
Pelo novo texto regimental, não há mais limite de tempo para uma sessão legislativa. É prerrogativa do presidente da sessão estendê-la sempre que julgar necessário. Até então, cada sessão de votação tinha duração máxima de seis horas. Expirado
este prazo, uma nova sessão tinha de ser aberta, dando reinício a todo o rito parlamentar – verificação de quórum, abertura de tempo para articulações, orientação de bancadas pelos seus líderes, entre outras medidas. Não raro, os parlamentares que pretendiam retardar a aprovação de determinado projeto que julgavam ser prejudicial aos seus interesses ou aos de seus constituintes se ausentavam do plenário e, assim, impediam a deliberação por falta de quórum.
Após a mediação de Ramos, ficou acertado que uma sessão legislativa só poderá ser suspensa uma vez pelo prazo máximo de uma hora, após o qual será encerrada automaticamente e só poderá ser convocada para outro dia. Parlamentares da oposição receavam que as sessões pudessem ser retomadas a qualquer tempo, a depender da vontade do presidente da sessão.
“A modernização do regimento interno vai qualificar o debate e aumentar – ao invés de diminuir – o tempo de discussão das matérias. Mas, simultaneamente, irá impedir a banalização da obstrução, um legítimo direito das minorias”, escreveu Arthur Lira no Twitter. De fato, uma coisa é “modernizar” as regras das sessões legislativas; outra, muito distinta, é cercear a livre manifestação da oposição. As obstruções são um instrumento indispensável para que as minorias parlamentares tenham voz no debate democrático e, afinal, na alternância no poder.
Outra mudança aprovada – e ponto mais controvertido do Projeto de Resolução – é o fim dos requerimentos de retirada de pauta em uma mesma sessão, ou de adiamento dos debates, quando o plenário aprovar a urgência de determinado projeto. Parlamentares da oposição, como Ivan Valente (PSOLSP), viram na medida uma ação para silenciar opiniões contrárias aos interesses do Palácio do Planalto. “Em vinte anos de mandato, este é o maior golpe (que vejo) contra a minoria parlamentar, um atentado contra a democracia interna (da Câmara)”, disse o parlamentar.
Para o bem do livre debate na Casa, a mudança no regimento foi menos gravosa