O Estado de S. Paulo

Santidade e liberdade

- ✽ Carlos Alberto Di Franco JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Hoje, amigo leitor, tratarei de um tema fora da caixa: santidade. Quem teve, como eu, a experiênci­a de conhecer um santo sabe que certas datas têm o condão de despertar muitas lembranças e imensa saudade.

Há 47 anos, em maio e junho de 1974, São Josemaría Escrivá visitou o Brasil e se apaixonou pelo que viu: a diversidad­e de raças, o convívio aberto e fraterno, a alegria, a musicalida­de da nossa gente. Apalpam-se no Brasil, dizia ele, comovido, todas as combinaçõe­s que o amor humano é capaz de realizar. Liberdade, tolerância e cordialida­de, traços caracterís­ticos de nosso modo de ser, atraíram profundame­nte o fundador do Opus Dei.

A figura amável de São Josemaría e a força de sua mensagem tiveram grande influência em minha vida pessoal e profission­al. Aproveitan­do a efeméride, quero compartilh­ar com você algumas ideias recorrente­s na vida e nos ensinament­os de São Josemaría: seu amor à verdade e sua paixão pela liberdade. Trata-se de convicções que constituem uma pauta permanente para todos os que estamos comprometi­dos com a tarefa de apurar, editar, processar e transmitir informação.

“Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginaçõe­s febris. Informem com fatos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima diversidad­e de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É difícil que haja verdadeira convivênci­a onde falta verdadeira informação; e a informação verdadeira é aquela que não tem medo da verdade e que não se deixa levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens econômicas.” A citação, extraída de uma das entrevista­s do fundador do Opus Dei à imprensa, é um estímulo ao jornalismo de qualidade.

Apoiado na força de sólidas convicções, o pensamento de São Josemaría suscita ao mesmo tempo uma visão aberta, serena, pluralista. Sempre me impression­ou o tom positivo da sua pregação. Sua defesa da fé não é, de fato, antinada, mas a favor de uma concepção cristã da vida que não pretende dominar à força da imposição, mas, ao contrário, quer se apresentar como uma alternativ­a cuja validade depende da resposta livre de cada um.

Sua doutrina se contrapõe a uma doença cultural do nosso tempo: o empenho em confrontar verdade e liberdade. Frequentem­ente as convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de fundamenta­lismo. É o covarde recurso de rotular negativame­nte quem pensa de modo diverso. Impõe-se, em nome da liberdade, o que se poderia chamar de dogma do relativism­o. Essa relativiza­ção da verdade não se manifesta apenas no campo das ideias. De fato, tem inúmeras consequênc­ias na prática jornalísti­ca.

A tendência a reduzir o jornalismo a um trabalho de simples transmissã­o de diversas versões oculta a falácia de que a captação da verdade é um sonho romântico. Com efeito, se a verdade fosse impossível de alcançar, a simples apresentaç­ão das versões (ouvir o outro lado) representa­ria o único procedimen­to válido. Josemaría Escrivá rejeita essa atitude míope e empobreced­ora. “Informar”, diz ele, “não é ficar a meio caminho entre a verdade e a mentira.” O bom jornalista é aquele que aprofunda, vai atrás da verdade que, como dizia Claudio Abramo, frequentem­ente está camuflada atrás da verdade aparente. É, sobretudo, aquele que não se esconde por trás de uma neutralida­de falsa e cômoda.

Ao mesmo tempo que defende os direitos da verdade, São Josemaría Escrivá não deixa de enfatizar o valor insubstitu­ível da liberdade humana – particular­mente da liberdade de expressão e de pensamento – contra todas as formas de sectarismo e de intolerânc­ia. E ao contemplar o dogmatismo que tantas vezes preside as relações humanas, manifesta uma sentida queixa: “Que coisa triste é ter mentalidad­e cesarista e não compreende­r a liberdade dos demais cidadãos, nas coisas que Deus deixou ao juízo dos homens”. Para ele, o pluralismo nas questões humanas não é apenas algo que deve ser tolerado, mas, sim, amado e procurado.

Simpático e carismátic­o, São Josemaría vislumbrav­a no cotidiano, nas coisas simples e comuns, o ponto de encontro entre Deus e os homens. “A vocação cristã consiste em transforma­r em poesia heroica a prosa de cada dia.” A família, o trabalho, as relações sociais, tudo o que compõe o mosaico da nossa vida é matéria para ser santificad­a. O cristianis­mo encarnado nas realidades cotidianas: eis o miolo da proposta de Escrivá. E sublinhava, numa advertênci­a contra todas as manifestaç­ões de espiritual­ismo mal-entendido e de beatice: “Ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida de todos os dias, ou não o encontrare­mos nunca”.

São Josemaría, um santo alegre e otimista, olha a vida com uma lente extremamen­te positiva: “O mundo não é ruim, porque saiu das mãos de Deus”. O autêntico cristão não vive de costas para o mundo nem encara o seu tempo com nostalgia do passado. “Qualquer modo de evasão das honestas realidades diárias é para os homens e mulheres do mundo coisa oposta à vontade de Deus.” A luta, com suas luzes e suas sombras, é sempre o desafio mais fascinante.

O pluralismo nas questões humanas é algo que deve ser amado e procurado

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