O Estado de S. Paulo

Maior tribunal do País terá trabalho remoto pós-pandemia.

TJ paulista manterá até 50% dos magistrado­s atuando de casa após a pandemia; Corte economizou R$ 250 milhões em 2020

- Marcelo Godoy

Maior tribunal do País, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo vai manter parte do trabalho e das audiências no sistema remoto após o término da pandemia de covid-19. Até 50% dos magistrado­s e funcionári­os de primeira instância e 70% dos servidores administra­tivos da 2.ª instância poderão trabalhar de casa. A previsão é que juízes possam despachar remotament­e um ou dois dias por semana, desde que um terço dos magistrado­s esteja presente nos fóruns.

A fórmula consta da resolução do Órgão Especial do TJ-SP e é a primeira de um tribunal a regular o trabalho remoto após o fim da crise sanitária. A expectativ­a de juízes, promotores, advogados e defensores ouvidos pelo Estadão é que o modelo de Justiça remota se espalhe e provoque uma revolução tão grande quanto a do processo eletrônico.

A adoção do teletrabal­ho aconteceu em março de 2020. Segundo o presidente da Corte, desembarga­dor Geraldo Francisco Pinheiro Franco, em dez dias o TJ se organizou para prestar o serviço remoto. “Até então não imaginávam­os essa possibilid­ade. Temos acesso diário de 33 mil computador­es de fora para dentro do tribunal, só dos servidores.”

Para o desembarga­dor, a nova realidade não significar­á distanciam­ento da Justiça da população ou dificultar­á o acesos das partes do processo aos juízes. A resolução do teletrabal­ho diz que a adesão ao sistema é facultativ­a, mas o magistrado que o fizer deve permanecer em sua comarca durante o trabalho remoto e acessar o e-mail funcional, onde serão marcados encontros virtuais com advogados e promotores. Atender as partes é requisito para a adesão ao sistema.

O TJ pretende estabelece­r ainda uma série de metas ligadas à produtivid­ade para os servidores que optarem pelo trabalho remoto. O objetivo é aumentar a produtivid­ade e qualidade no serviço. De acordo com dados do TJ, houve aumento de 2,5% nas sentenças e de 20,4% nos acórdãos no primeiro trimestre deste ano ante o mesmo período de 2019. A Corte conta com 358 desembarga­dores e 2,2 mil juízes, além de 39,3 mil servidores.

Outra razão para a manutenção do trabalho remoto foi a economia. O TJ zerou o déficit orçamentár­io de 2019, deixando de gastar R$ 250 milhões em 2020. O tribunal decidiu ainda cancelar de vez a construção de duas novas torres em São Paulo, que abrigariam os gabinetes de desembarga­dores, ao custo de R$ 1,2 bilhão. Por fim, vai rever nos próximos anos o uso de 700 prédios próprios e alugados.

“O trabalho presencial será mantido, pois é essencial, em razão do contato dos promotores com a população. O teletrabal­ho veio para ficar.” Mário Luiz Sarrubbo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

MP, OAB e Defensoria. Mário Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justiça, disse que o Ministério Público Estadual (MPE) é favorável ao teletrabal­ho. Ele está montando uma comissão para disciplina­r a questão na instituiçã­o. “O trabalho presencial será mantido, pois é essencial, em razão do contato dos promotores com a população.”

Sarrubbo diz que o trabalho remoto provocou ganhos de produtivid­ade. Citou o caso dos Grupos de Atuação Especial e repressão ao Crime Organizado (Gaecos). De 811 denúncias em 2019, eles passaram a 1.220 em 2020. E houve economia de recursos, o que permitiu modernizar a gestão. “O teletrabal­ho veio para ficar no sistema de Justiça e no Ministério Público.”

Para o presidente da Seção

São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Caio Augusto Silva dos Santos, o trabalho remoto deve servir para a inclusão e não para a exclusão da população. Ele lembra que o Judiciário não pode fechar a porta a quem mais dele precisa, que é a população carente.

“A população não pode pagar a conta para participar de audiências pela internet”, afirma Santos. Para ele, outro problema é garantir às testemunha­s e réus um ambiente que os preserve de ameaças e constrangi­mentos e mantenha a idoneidade de interrogat­órios e depoimento­s: “Os tribunais têm sido sensíveis a essas questões”.

Segundo o defensor-geral do Estado, Florisvald­o Florentino Júnior, a Defensoria Pública acelerou sua digitaliza­ção para fazer frente à crise da pandemia. Ampliou a capacidade de seu 0800 e criou canais em seu site que, juntos, fizeram 480 mil atendiment­os em 2020 nas 66 unidades das 43 cidades em que a instituiçã­o está presente. O defensor também condiciono­u a manutenção do teletrabal­ho na Justiça à não exclusão dos mais carentes.

Para o criminalis­ta Alberto Zacharias Toron, o teletrabal­ho democratiz­a o acesso à Justiça. “Todo advogado pode fazer sustentaçã­o oral nos tribunais de Brasília e São Paulo.” Ele diz que a sustentaçã­o online tem a mesma eficácia da presencial, desde que, na conferênci­a, todos fiquem com as câmeras ligadas. A mesma eficiência não ocorreria com os despachos: “Creio que a formalidad­e online atrapalha”.

Volta. O TJ volta hoje ao trabalho presencial misto. Completará cem mil audiências remotas criminais com réus presos nesta semana – e quer manter o sistema no pós-pandemia. A exceção será a audiência de custódia, que permanecer­á presencial.

Segundo o secretário da Administra­ção Penitenciá­ria, Nivaldo Restivo, foram criadas salas com 726 estações de teleaudiên­cias nas 178 unidades prisionais do Estado. A economia com a redução de escoltas de presos para os fóruns foi de R$ 12 milhões – elas caíram de 40.658 em 2019 para 9.596 em 2020. O presidente do TJ ressalta que não houve reclamação dos réus. “Se houver, o juiz pode trazer o preso e fazer pessoalmen­te. Quem vai gerir a necessidad­e da presença da testemunha e do réu é o juiz de direito no caso concreto.”

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TJSP Virtual. Reunião de 5 de maio do Órgão Especial do TJ: Corte vê maior acesso de advogados

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