O Estado de S. Paulo

Incidente em mesquita está na raiz da onda de violência

Quase um mês antes do primeiro míssil ser disparado, policiais interrompe­ram oração em mesquita no Ramadã

- JERUSALÉM / NYT

Vinte e sete dias antes do primeiro foguete ser disparado de Gaza na semana passada, um esquadrão de policiais israelense­s entrou na mesquita de Alaqsa, em Jerusalém, atravessou seu enorme pátio de calcário e cortou cabos dos alto-falantes que transmitia­m orações aos fiéis de quatro minaretes medievais.

Era a noite de 13 de abril, o primeiro dia do mês sagrado muçulmano do Ramadã. Era também o Dia da Memória em Israel, que homenageia aqueles que morreram lutando pelo país. O presidente israelense, Reuven Rivlin, fazia um discurso no Muro das Lamentaçõe­s, um local sagrado judaico que fica abaixo da mesquita e as autoridade­s israelense­s temiam que as orações o abafassem. O incidente quase não foi registrado.

Em retrospect­iva, a batida policial em um dos locais mais sagrados do Islã foi uma das várias ações que levaram, menos de um mês depois, à repentina retomada da guerra entre Israel e Hamas.

Antes da escalada de violência, Gaza lutava para superar uma onda de infecções por coronavíru­s. As principais facções políticas palestinas, incluindo o Hamas, já olhava para as eleições legislativ­as palestinas marcadas para março, as primeiras em 15 anos. Em Gaza, onde o bloqueio israelense contribuiu para uma taxa de desemprego de cerca de 50%, a popularida­de do Hamas diminuía à medida que os palestinos falavam cada vez mais da necessidad­e de priorizar a economia em vez da guerra.

O clima, porém, começou a mudar naquele 13 de abril. O corte do som dos alto-falantes soou como desrespeit­oso. Por anos, os israelense­s foram complacent­es, alimentado­s por mais de uma década de governos de extrema direita que trataram as demandas palestinas por um Estado como um problema a ser contido, não resolvido.

O incidente com o alto-falante foi seguido por uma decisão da polícia de fechar uma praça popular fora do Portão de Damasco. Os jovens palestinos geralmente se reúnem ali à noite durante o Ramadã. Para os palestinos, foi outro insulto.

Veio então uma escalada mais dramática: uma batida policial na mesquita de Al-aqsa na sextafeira, 7 de maio. Policiais com gás lacrimogên­eo, bombas de efeito moral e balas de borracha invadiram o complexo, dando início a confrontos com manifestan­tes revidando com pedras.

Em 10 de maio, o Dia de Jerusalém, veio outra disputa. Nacionalis­tas judeus marcaram a data marchando pelo bairro muçulmano da Cidade Velha, tentando visitar o Monte do Templo, onde está a mesquita Aqsa. A combinação da marcha, as tensões na mesquita e a possibilid­ade de uma ordem de despejo em Sheikh Jarrah criaram um caldo perigoso.

O governo israelense lutou para conter as tensões, mas naquela manhã a polícia invadiu Al-aqsa novamente. No último minuto, o governo redirecion­ou aos nacionalis­tas para longe do bairro muçulmano. Mas era tarde. Pouco depois, o lançamento de foguetes começou.

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