O Estado de S. Paulo

A nova esperança do Brasil no salto em distância

Samory Uiki tem diploma nos EUA, gosta de livros e de colorir as unhas e pretende dar grandes saltos em Tóquio 2020

- Felipe Rosa Mendes

A nova aposta do atletismo brasileiro tem diploma universitá­rio dos EUA, gosta de livros e de unhas coloridas e pretende ir longe no esporte. Aos saltos, literalmen­te. Foi dando saltos nas competiçõe­s e na vida que o gaúcho Samory Uiki garantiu o índice olímpico para Tóquio. As próximas metas envolvem medalhas, mestrado e doutorado e ainda novos idiomas.

Samory é atleta do salto em distância – modalidade que trouxe o ouro ao Brasil com Maurren Maggi em Pequim-2008 – e costuma chamar a atenção entre os colegas. E não por causa do seu porte físico, de 1,92m de altura e 82 kg. O saltador de 24 anos já tem diploma universitá­rio, obtido nos EUA, recebeu convites para fazer mestrado fora do País e sonha em virar doutor na área de Relações Internacio­nais. O caminho que percorre é incomum entre atletas de qualquer esporte, principalm­ente por vir de origem pobre. Samory deu seu primeiro salto aos oito anos de idade, quando ganhou bolsa para crianças carentes na Sogipa, clube de elite de Porto Alegre. E soube aproveitar a chance.

Quando garoto, se destacou em diversas modalidade­s, dos 50 metros rasos ao salto em altura, passando pela corrida com barreiras. “Tenho o recorde estadual sub-12 e sub-14 até hoje no salto”, disse ao Estadão. “Sou prata da casa da Sogipa. Sou respeitado e admirado lá desde criança. Virei até sócio”, diz.

Uma série de pequenas lesões o direcionou para o salto em distância em 2013. O foco em uma só disputa trouxe resultados. Naquele mesmo ano, no Mundial Sub-18, com apenas 16 anos, registrou a terceira melhor marca da temporada, ainda na fase classifica­tória. O resultado chamou a atenção e abriu caminho para novos saltos em sua vida.

Ele passou a receber convites para se tornar atleta universitá­rio fora do Brasil. E agarrou a chance, mais uma vez com bolsa integral. Foram quatro anos estudando na Kent State University. Enquanto buscava o diploma competia pela universida­de e pelo Brasil. Em 2018, venceu o Sul-americano Sub-23. No ano seguinte, podia ter iniciado o mestrado na sua área, mas decidiu retornar ao País. O motivo?

“Voltei para tentar o sonho olímpico”, disse. Ele tinha o mestrado como Plano B caso não atingisse o índice. Havia a possibilid­ade de estudar em Sochi, Rússia, onde a seleção de Tite ficou na Copa de 2018. Mas este salto mais longe foi adiado.

Samory precisou mudar seus planos quando, contra sua própria expectativ­a, obteve o índice olímpico no dia 24 de abril. Ele saltou 8,23 metros no Torneio Cidade de Bragança Paulista e registrou a quinta melhor marca da história da modalidade no Brasil. “Aposto que ninguém da minha equipe esperava por isso, apesar de eu estar saltando bem nos treinament­os. Ainda não estou 100%. Por isso, o resultado foi tão surpreende­nte.”

Ele está fora de forma física e técnica porque perdeu quatro meses de treino em 2020. Mas a pandemia trouxe benefícios. “Ela me deu tempo para trabalhar. Foi crucial. Pude sanar debilidade­s. Melhorei a velocidade, estou mais forte e perdi os 9 kg que ganhei.”

Idiomas. O índice deu nova confiança a Samory como atleta. Ele vislumbra pelo menos mais dois ciclos olímpicos após Tóquio. Mas ele não pretende desgrudar dos livros entre um treino e outro, principalm­ente se envolver idiomas. Já fala inglês e espanhol.

Como em outras áreas de sua vida, sua trajetória nos idiomas começou com uma bolsa, numa escola particular da capital gaúcha. “Lá o inglês era forte. Depois, eu comecei a praticar nas competiçõe­s. Virei tradutor dos colegas e da delegação.” Os próximos passos são as aulas de alemão, cujo básico ele já domina, e depois o francês.

Com essas ferramenta­s, o saltador espera ajudar refugiados no futuro, na questão dos direitos humanos, quando iniciar sua atuação na área de Relações Internacio­nais.

Quase sem querer, espera seguir o “destino” dado pelo seu nome. Sim, Samory Uiki tem um significad­o. “Meus pais, quando jovens, eram envolvidos com o movimento negro em Porto Alegre. Queriam um nome que resgatasse essa ancestrali­dade da África. E acharam o meu num livro”, contou o atleta que leva o nome de importante líder africano do século 19. Samory Touré comandou a resistênci­a do Império de Uassulu, na África Ocidental, contra os colonizado­res franceses. Uiki significa “mel” em iorubá, dialeto nigeriano. “Na África existe a cultura de que o nome determina o destino. Nome de guerreiro dá força para fazer coisas heroicas”, explicou o Samory brasileiro.

Se o nome traz influência africana, o saltador cultiva um hábito que diz ter buscado na cultura oriental, segundo a qual cores “representa­m coisas”. Seria algo semelhante a vestir branco no réveillon para ter paz no novo ano. Ele gosta tanto de cores que decidiu pintar as unhas por superstiçã­o. “Pintei e saltei a melhor marca da minha vida. Resolvi, então, pintar somente em torneios. E agora decidi pintar semanalmen­te. Virou um hábito.”

Para os Jogos Olímpicos de Tóquio, as cores já foram decididas. “Pintar as unhas me dá confiança. Em Tóquio, elas serão verde e amarelo.”

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EDUARDO QUADROS / ESTADÃO - 7/5/2021 Samory. Atleta gaúcho se prepara para disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio: estudo nos EUA e gosto em colorir unhas
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