A nova esperança do Brasil no salto em distância
Samory Uiki tem diploma nos EUA, gosta de livros e de colorir as unhas e pretende dar grandes saltos em Tóquio 2020
A nova aposta do atletismo brasileiro tem diploma universitário dos EUA, gosta de livros e de unhas coloridas e pretende ir longe no esporte. Aos saltos, literalmente. Foi dando saltos nas competições e na vida que o gaúcho Samory Uiki garantiu o índice olímpico para Tóquio. As próximas metas envolvem medalhas, mestrado e doutorado e ainda novos idiomas.
Samory é atleta do salto em distância – modalidade que trouxe o ouro ao Brasil com Maurren Maggi em Pequim-2008 – e costuma chamar a atenção entre os colegas. E não por causa do seu porte físico, de 1,92m de altura e 82 kg. O saltador de 24 anos já tem diploma universitário, obtido nos EUA, recebeu convites para fazer mestrado fora do País e sonha em virar doutor na área de Relações Internacionais. O caminho que percorre é incomum entre atletas de qualquer esporte, principalmente por vir de origem pobre. Samory deu seu primeiro salto aos oito anos de idade, quando ganhou bolsa para crianças carentes na Sogipa, clube de elite de Porto Alegre. E soube aproveitar a chance.
Quando garoto, se destacou em diversas modalidades, dos 50 metros rasos ao salto em altura, passando pela corrida com barreiras. “Tenho o recorde estadual sub-12 e sub-14 até hoje no salto”, disse ao Estadão. “Sou prata da casa da Sogipa. Sou respeitado e admirado lá desde criança. Virei até sócio”, diz.
Uma série de pequenas lesões o direcionou para o salto em distância em 2013. O foco em uma só disputa trouxe resultados. Naquele mesmo ano, no Mundial Sub-18, com apenas 16 anos, registrou a terceira melhor marca da temporada, ainda na fase classificatória. O resultado chamou a atenção e abriu caminho para novos saltos em sua vida.
Ele passou a receber convites para se tornar atleta universitário fora do Brasil. E agarrou a chance, mais uma vez com bolsa integral. Foram quatro anos estudando na Kent State University. Enquanto buscava o diploma competia pela universidade e pelo Brasil. Em 2018, venceu o Sul-americano Sub-23. No ano seguinte, podia ter iniciado o mestrado na sua área, mas decidiu retornar ao País. O motivo?
“Voltei para tentar o sonho olímpico”, disse. Ele tinha o mestrado como Plano B caso não atingisse o índice. Havia a possibilidade de estudar em Sochi, Rússia, onde a seleção de Tite ficou na Copa de 2018. Mas este salto mais longe foi adiado.
Samory precisou mudar seus planos quando, contra sua própria expectativa, obteve o índice olímpico no dia 24 de abril. Ele saltou 8,23 metros no Torneio Cidade de Bragança Paulista e registrou a quinta melhor marca da história da modalidade no Brasil. “Aposto que ninguém da minha equipe esperava por isso, apesar de eu estar saltando bem nos treinamentos. Ainda não estou 100%. Por isso, o resultado foi tão surpreendente.”
Ele está fora de forma física e técnica porque perdeu quatro meses de treino em 2020. Mas a pandemia trouxe benefícios. “Ela me deu tempo para trabalhar. Foi crucial. Pude sanar debilidades. Melhorei a velocidade, estou mais forte e perdi os 9 kg que ganhei.”
Idiomas. O índice deu nova confiança a Samory como atleta. Ele vislumbra pelo menos mais dois ciclos olímpicos após Tóquio. Mas ele não pretende desgrudar dos livros entre um treino e outro, principalmente se envolver idiomas. Já fala inglês e espanhol.
Como em outras áreas de sua vida, sua trajetória nos idiomas começou com uma bolsa, numa escola particular da capital gaúcha. “Lá o inglês era forte. Depois, eu comecei a praticar nas competições. Virei tradutor dos colegas e da delegação.” Os próximos passos são as aulas de alemão, cujo básico ele já domina, e depois o francês.
Com essas ferramentas, o saltador espera ajudar refugiados no futuro, na questão dos direitos humanos, quando iniciar sua atuação na área de Relações Internacionais.
Quase sem querer, espera seguir o “destino” dado pelo seu nome. Sim, Samory Uiki tem um significado. “Meus pais, quando jovens, eram envolvidos com o movimento negro em Porto Alegre. Queriam um nome que resgatasse essa ancestralidade da África. E acharam o meu num livro”, contou o atleta que leva o nome de importante líder africano do século 19. Samory Touré comandou a resistência do Império de Uassulu, na África Ocidental, contra os colonizadores franceses. Uiki significa “mel” em iorubá, dialeto nigeriano. “Na África existe a cultura de que o nome determina o destino. Nome de guerreiro dá força para fazer coisas heroicas”, explicou o Samory brasileiro.
Se o nome traz influência africana, o saltador cultiva um hábito que diz ter buscado na cultura oriental, segundo a qual cores “representam coisas”. Seria algo semelhante a vestir branco no réveillon para ter paz no novo ano. Ele gosta tanto de cores que decidiu pintar as unhas por superstição. “Pintei e saltei a melhor marca da minha vida. Resolvi, então, pintar somente em torneios. E agora decidi pintar semanalmente. Virou um hábito.”
Para os Jogos Olímpicos de Tóquio, as cores já foram decididas. “Pintar as unhas me dá confiança. Em Tóquio, elas serão verde e amarelo.”