O Estado de S. Paulo

Economia reage, apesar da covid

- •✽ CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ✽ ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

Em 11 de março de 2020, a Organizaçã­o Mundial da Saúde classifico­u a covid-19 como pandemia. No Brasil, o Ministério da Saúde, então comandado por Luiz Henrique Mandetta, começou a fazer as primeiras advertênci­as sobre a necessidad­e de distanciam­ento social, uso de máscaras e higiene das mãos. Apesar de Jair Bolsonaro, desde então, se declarar contrário a essas medidas profilátic­as e não reconhecer a gravidade da doença, o fato é que, no ano passado, na última semana de março e durante todo o mês de abril, o Brasil quase parou.

De fato, o índice de mobilidade do Google para comércio e lazer, comparativ­amente ao período anterior à pandemia, chegou a cair 70%, na última semana de março/2020, tendo ficado em -60%, na média do mês seguinte. As previsões sobre os impactos da pandemia na atividade econômica eram catastrófi­cas, para todos os segmentos. O FMI projetava que o PIB brasileiro cairia 9%, em relação a 2019.

No entanto, logo se começou a perceber que, apesar da tragédia humana com perdas de vidas e sequelas em boa parte dos recuperado­s, os danos econômicos da pandemia, embora significat­ivos, eram menores do que se supunha. Mesmo antes das medidas de recomposiç­ão de renda para os mais vulnerávei­s e dos estímulos monetários entrarem em vigor, já se evidenciav­a a resiliênci­a dos agentes econômicos.

As restrições de mobilidade estimulara­m as famílias que ainda não haviam perdido totalmente sua renda a produzirem em suas residência­s serviços antes adquiridos externamen­te, com a consequent­e elevação da demanda por bens, tais como, utensílios e eletrodomé­sticos, equipament­os de ginástica para substituír­em a academia, produtos de informátic­a para o home office, materiais de construção para pequenas reformas, artigos para limpeza, gêneros alimentíci­os que compensara­m a redução da alimentaçã­o fora do domicílio, e até mesmo veículos automotore­s, para fugirem dos transporte­s coletivos.

Esse inesperado cresciment­o da demanda por mercadoria­s surpreende­u a indústria, que acabou ficando com os estoques abaixo do planejado. Como o fenômeno de recuperaçã­o rápida da demanda por bens industrial­izados foi mundial, o preço de matérias-primas, partes, peças e componente­s, ao lado do choque de custos em commoditie­s agrícolas, pôs combustíve­l na inflação.

Apesar da segunda onda da covid19 se mostrar devastador­a, com o registro, até agora, de mais de 430 mil óbitos (cerca de 2.050 mortes por milhão de habitantes), as previsões dos analistas para a variação do PIB, em 2021, estão sendo continuame­nte revistas para cima. A MCM Consultore­s espera cresciment­o, no corrente ano, de algo entre 4,0% a 4,5%. Não é nenhuma maravilha, claro. O PIB mal voltará ao nível observado em 2019.

Resiliênci­a da economia evita a paralisaçã­o das atividades mesmo com a redução da mobilidade

O que a análise detalhada desses números nos ensina?

Em primeiro lugar, quando os dados pandêmicos são controlado­s pelo grau de vacinação, e separados os relativos à primeira e à segunda onda, esta muito mais contagiosa e letal que a primeira, observa-se forte correlação positiva entre mobilidade e números de novos casos e de mortes, considerad­as as defasagens. Bolsonaro ainda não entendeu que o aumento prematuro da mobilidade, mais do que estimular a economia, mata pessoas.

Em segundo lugar, dada a resiliênci­a da economia, a redução da mobilidade social prejudica, mas não paralisa a atividade econômica no País.

Finalmente, o desastroso enfrentame­nto da pandemia, como vem ocorrendo no Brasil, apesar da recuperaçã­o da atividade mais rapidament­e do que se esperava, coloca sérios desafios para a política econômica. Deterioraç­ão fiscal, pressões inflacioná­rias e aumento das dificuldad­es de retomada sustentada do cresciment­o econômico são os mais evidentes.

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