O Estado de S. Paulo

Produtor familiar terá crédito por app

Bancos digitais e agritechs oferecem dinheiro em shopping virtual e agricultor obtém empréstimo com base na sua nota de crédito

- Márcia De Chiara

Produtor rural desde 1991, Pedro Firmino, a mulher Simone Alves Pinheiro e os cinco filhos trabalham na criação de 50 ovelhas em cerca de 15 hectares em Paranoá, cidade satélite de Brasília. Dependendo do mês, a família chega a tirar entre R$ 5 mil e R$ 7 mil livres, com a venda de animais para frigorífic­os e feirantes da região.

O produtor vê um bom potencial de mercado para a carne de ovelha. Por isso, gostaria de dobrar o plantel. Mas faz cinco anos que ele tenta implementa­r esse projeto e esbarra na falta de recursos próprios e no crédito oficial. Para criar 100 animais, ele precisaria melhorar as instalaçõe­s, além de comprar medicament­os, rações, ampliar a roça de milho para reforçar a alimentaçã­o do rebanho e adquirir matrizes. Nas suas contas seriam necessário­s cerca de R$ 150 mil para dar esse salto na produção.

“Uma das maiores dificuldad­es que o produtor familiar tem é acessar o crédito”, diz Firmino. Segundo ele, os agentes financeiro­s são muito burocrátic­os e exigem documentos que ele não tem. Além disso, as garantias para liberar o dinheiro são altas. “Para eu pegar R$ 120 mil de crédito no Pronaf (Programa Nacional de Fortalecim­ento da Agricultur­a Familiar), por exemplo, tenho que conseguir um avalista que tenha 180% a mais do valor do crédito que eu estou levantando.”

De olho no gargalo do crédito e no potencial da agricultur­a familiar, que reúne quase quatro milhões de produtores que respondem por cerca de 70% do que vai no prato do brasileiro, a Serasa Experian está lançando um shopping virtual de crédito voltado para o produtor familiar. A intenção é aproximar o sistema financeiro dos potenciais interessad­os em tomar esses recursos.

Segundo Marcelo Pimenta, diretor do Datalab da Serasa Experian e responsáve­l pela entrada da empresa no segmento de agronegóci­o, o crédito será oferecido por meio de um aplicativo, acessado pelo smartphone. O marketplac­e começa com um banco digital e duas agritechs como ofertantes de crédito a 100 mil agricultor­es familiares sobre os quais existem informaçõe­s e uma nota de crédito.

Na fase inicial de funcioname­nto do shopping virtual, que deve durar três meses, o potencial é emprestar R$ 1,25 bilhão, consideran­do que o valor médio do crédito deve ser de RS 12,5 mil. No entanto, o valor dos empréstimo­s vão de R$ 10 mil a R$ 100 mil e terão como garantia a produção rural financiada. A Serasa vai receber uma comissão sobre os negócios fechados. “Depois, por seis meses, vamos acompanhar as taxas de default (calote) de aprovação e, na sequência, abriremos o marketplac­e para os cerca de 4 milhões de produtores familiares”, diz Pimenta.

O executivo acredita que, quando o projeto estiver a todo a vapor, o marketplac­e possa atrair cerca de 20 instituiçõ­es financeira­s entre bancos, fintechs e bancos digitais. Os juros cobrados devem acompanhar as taxas de mercado e a vantagem, segundo Pimenta, é a aprovação sem burocracia e sem a exigência de um projeto, como ocorre nas linhas oficiais. Neste caso, o que embasa a aprovação de crédito é a nota do produtor dada pelo score da Serasa.

Para azeitar a comunicaçã­o com os produtores familiares e tornar o marketplac­e conhecido entre eles, a empresa fechou uma parceria com a Confederaç­ão Nacional de Agricultor­es Familiares e Empreended­ores Familiares Rurais (Conafer). Segundo Carlos Ferreira Lopes, presidente da entidade, a oferta de crédito do governo não consegue suprir a demanda do agricultor familiar. “Hoje o crédito oficial para o agricultor familiar é de difícil acesso e está limitado pelo orçamento púbico.”

Da cidade para o campo. Não é de hoje que a Serasa, um birô de crédito criado pelos bancos e voltado para reunir informaçõe­s financeira­s sobre empresas e pessoas físicas ligadas ao mundo comercial, se voltou para o agronegóci­o. Faz dois anos que a companhia montou uma equipe só para estudar o potencial e as peculiarid­ades do agronegóci­o no mundo do crédito.

Pimenta explica que se o produtor rural deixa de pagar a conta da TV a cabo ou o cartão de crédito, por exemplo, não significa que ele é mau pagador porque no mundo agro há outras variáveis envolvidas. Entre elas, o valor da produção futura que ele vai tirar da terra, que pode ser muito maior do que a dívida não paga do cartão.

Os primeiros resultados desse novo segmento de negócio, onde a empresa vai aplicar R$ 40 milhões nos próximos dois anos, começaram a surgir no final de 2020, quando a Serasa colocou no mercado um score de crédito e de risco climático, cujos clientes são bancos e fintechs. Desde o início de janeiro iniciou um birô de informaçõe­s de crédito para o segmento de óleos vegetais em parceria com a Abiove. E pretende ampliar para outros segmentos.

Para acelerar a inserção no agronegóci­o, no final de janeiro, a companhia a comprou a Brain Ag, uma empresa de big data voltada para operações financeira­s do setor. E, agora, dá o pontapé inicial no marketplac­e de crédito para agricultur­a familiar. “Queremos ser tão relevantes para o crédito no agro quanto somos para o crédito comercial”, afirma Pimenta.

• Escassez

“Hoje o crédito oficial para o agricultor familiar é de difícil acesso e está limitado pelo orçamento público.” Carlos Ferreira Lopes

PRESIDENTE DA CONFEDERAÇ­ÃO NACIONAL DE AGRICULTOR­ES FAMILIARES (CONAFER)

 ?? PEDRO FIRMINO ?? Obstáculo. Por falta de crédito, a família de Firmino não pode dobrar a criação de ovelhas
PEDRO FIRMINO Obstáculo. Por falta de crédito, a família de Firmino não pode dobrar a criação de ovelhas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil