‘Juro real baixo estimula a ida para investimentos alternativos’
Mesmo com as altas recentes da taxa Selic, especialista vê momento como ideal para os fundos de investimento
O ano era 2019 quando Márcio Fontes resolveu vender a Itaim Asset para a ASA Investments. A empresa é um braço de gestão de recursos do grupo fundado por Alberto Joseph Safra, com a ideia de transformar a gestora de recursos em uma espécie de Black Rock do Brasil. Na época, Fontes não sabia que, pela frente, teria de enfrentar um dos seus maiores desafios: a pandemia da covid-19.
A gestora abriu seu primeiro produto para captação, o ASA Hedge Multimercado, neste ano. E o fundo já nasceu com um patrimônio de cerca de R$ 100 milhões, proveniente dos sócios e dos gestores. Até o final de abril, registrava uma rentabilidade de 11,13% no acumulado de 12 meses.
“Nosso projeto é, de fato, ambicioso”, diz o estrategistachefe de investimentos da gestora. “Uma das coisas que estamos investindo bastante é em trazer excelentes gestores para dentro do grupo.” A seguir, trechos da entrevista.
Com o cenário da pandemia, quais foram os maiores desafios para a captação do fundo?
A dificuldade de não ter o contato direto com as pessoas. Mas estamos entregando um bom retorno por meio dos novos recursos tecnológicos, que permitem conversar com a equipe e expor nosso trabalho. O fundo está aí com cinco anos e uma rentabilidade extraordinária, com certeza uma das melhores da indústria.
E quais as tendências da indústria de fundos para este ano?
De maneira geral, materiais e commodities agrícolas são temas interessantes para os próximos anos e que serão bem suportados. Na minha visão, fundos que têm esse foco são interessantes. Entretanto, há uma agenda macroeconômica muito bacana no mundo para os próximos 10 anos. Estamos nos tornando um mundo com estímulos fiscais. No passado, tínhamos basicamente os incentivos vindos de estímulos monetários. Os multimercados macro têm bastante a explorar dentro dessa nova realidade.
Ainda há dificuldade de atrair investimento estrangeiro. O risco fiscal é uma questão que tem afastado a entrada de novos recursos?
Essa é uma matéria sensível. Achamos que, de certa maneira, o Brasil já foi prejudicado por não fazer uma sinalização absolutamente clara em relação à sua intenção nesse plano. Apesar de estarmos vivendo um momento de baixo investimento estrangeiro na nossa dívida pública, talvez o menor em muitos anos, tivemos, recentemente, um aumento no mercado de ações. Há muito espaço para aumentar caso melhoremos a nossa questão fiscal. Isso, de fato, vem afetando a performance dos nossos ativos. Se não fizermos uma sinalização clara no sentido de mostrar à comunidade internacional que nós temos um plano para estabilizar a nossa relação de dívida bruta contra o PIB, acho que continuaremos sofrendo com essa questão.
Quais setores podem despertar interesse nos investidores estrangeiros?
Temos um pipeline muito interessante de investimentos em licitações nos setores de infraestrutura no Brasil, como o segmento de gás, água e esgoto. Na infraestrutura, o governo tem trabalhado bem e temos uma esteira de muita coisa que vai ser oferecida em termos de licitação nos próximos meses.
No ano passado, a taxa Selic atingiu o seu menor nível da história. Este ano, o Copom já elevou o juro básico da economia para 3,5% ao ano. Como isso afeta a estratégia dos fundos?
A reforma da previdência, a reforma trabalhista e a de teto de gastos compõem um arcabouço institucional e fiscal que o Brasil conquistou. Isso faz com os juros fiquem em patamares mais baixos. Recentemente, conseguimos a independência do nosso Banco Central, o que também é crítico nesse sentido. Estamos passando por uma situação cíclica, na qual a inflação está voltando por fatores ligados à quebra da cadeia global de produção e alguma incerteza fiscal.
Esses dois pontos, na nossa visão, devem elevar o juro para 6%, segundo as estimativas da equipe econômica. Com 6% de juros e uma inflação que deve passar um pouco abaixo de 5%, mas que no ano que vem retorna entre 3% e 4%, estamos falando de um juro real de em torno de 2,5%. Esse é um patamar que estimula as pessoas a irem para veículos de investimento alternativo, buscando elementos que vão dar um retorno superior ao que se obteria deixando o dinheiro no overnight.