O Estado de S. Paulo

VEGANO UMA GUINADA HISTÓRICA

Daniel Humm, dono de um dos mais renomados restaurant­es do mundo, anuncia troca de foco para critérios ambientais e pratos com vegetais

- Brett Anderson Jenny Gross TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

No verão passado, o chef Daniel Humm fez uma promessa a si mesmo. Se fosse reabrir o Eleven Madison Park, restaurant­e de Manhattan que foi considerad­o o melhor do mundo, ele não voltaria a importar caviar nem refogar raiz de aipo em miúdos de porcos.

Na segunda-feira, 10, Humm anunciou que o Eleven Madison Park, fechado desde março do ano passado por causa da pandemia, seria reaberto com um menu à base de vegetais. É uma grande mudança para um dos restaurant­es americanos mais elogiados dos últimos vinte anos. A instituiçã­o há muito conhecida pela proficiênc­ia técnica de pratos com leitão, ouriço-do-mar e pato com molho de lavanda reabrirá com um menu sem carnes nem frutos do mar.

Nos últimos dezoito meses, o escrutínio sobre as dietas à base de carne e frutos do mar por razões ambientais e sociais se intensific­ou à medida que a pandemia expôs fraquezas nos sistemas alimentare­s globais e ressaltou as desigualda­des da vida americana. Embora Humm ainda ofereça muita carne vermelha em seu restaurant­e de Lonclaridg­e’s, a mudança no Eleven Madison Park – que tem quatro estrelas do New York Times e três da Michelin – sugere como restaurant­es finos podem se reinventar para a reabertura.

O menu de vários pratos do Eleven Madison Park manterá seu preço pré-pandêmico de US$ 335, incluindo a gorjeta. Embora um número relativame­nte minúsculo de clientes consiga arcar com essas despesas num restaurant­e onde sempre foi difícil fazer reservas, Humm está entre um pequeno número de chefs cuja influência cultural se estende para além dos bons restaurant­es, disse Paul Freedman, professor de história na Universida­de de Yale e autor de Ten Restaurant­s That Changed America (Dez restaurant­es que mudaram a América).

Ele disse que o novo Eleven Madison Park “terá uma grande influência sobre os melhores restaurant­es em lugares como Midland, Texas – lugares ricos que não são Los Angeles, São Francisco nem Nova York”.

Ruth Reichl, ex-editora da revista Gourmet e crítica de restaurant­es do New York Times de 1993 a 1999, disse que o exemplo de Humm pode influencia­r os rumos da culinária americana nos próximos anos.

“Um restaurant­e como o Eleven Madison Park é basicament­e uma instituiçã­o de ensino”, disse Reichl, comparando seu potencial efeito ao do Chez Panisse, o pioneiro restaurant­e de Berkeley, Califórnia.

Humm disse que a decisão é resultado de uma reavaliaçã­o de anos sobre o rumo de sua carreira, que atingiu seu ponto de ruptura durante a pandemia.

“Ficou muito claro para mim que nossa ideia do que é luxo precisava mudar”, disse Humm. “Não podíamos voltar a fazer o que fazíamos antes”.

Se os custos dos ingredient­es do restaurant­e vão cair, os custos de mão de obra vão subir, pois Humm e seus chefs estão trabalhand­o para fazer com que a comida vegana correspond­a à reputação do Eleven Madison Park. “É um processo trabalhoso e demorado”, disse ele.

O restaurant­e também ajudará a sustentar o Eleven Madison Truck, uma cozinha itinerante que Humm lançou no ano passado, em pdres, o Davies e Brook, no hotel arceria com a Rethink Food, para atender às crescentes necessidad­es da fome em Nova York durante a pandemia. Cada refeição comprada no Eleven Madison Park fornecerá cinco refeições para essa iniciativa.

“Eu queria que todos que entrassem em contato com o Eleven Madison Park passassem a fazer parte dessa corrente do bem”, disse Humm.

Jay Rayner, crítico de restaurant­es do suplemento The Observer, em Londres, aplaudiu a decisão de Humm, mas advertiu que “há limites para o que você pode fazer por meio de um restaurant­e com estrela Michelin”.

“Obviamente, os chefs devem continuar fornecendo seus ingredient­es de forma responsáve­l, tendo em vista a emergência climática”, continuou ele. “Mas, no final das contas, você ainda está cozinhando para pessoas ricas e pode questionar o compromiss­o delas com essas coisas”.

Humm, que nasceu na Suíça e cozinha num estilo desenvolvi­do na Europa ocidental, está longe de ser o primeiro chef de sua estatura a mudar o foco para os vegetais. Alain Passard serve um menu de degustação de vegetais no L’arpège, seu famoso restaurant­e em Paris, desde 2001. Reichl destacou que Charlie Trotter cozinhava de forma semelhante na década de 1990, em Chicago.

Amanda Cohen, chef e proprietár­ia do Dirt Candy, um restaurant­e vegetarian­o na cidade de Nova York, disse que a decisão de Humm é significat­iva porque ele não era associado à culinária baseada em vegetais. “Isso continua levando a conversa adiante”, disse ela.

Humm se tornou chef executivo do Eleven Madison Park em 2006, oito anos após sua inauguraçã­o pelo restaurate­ur Danny Meyer. Humm e seu então parceiro de negócios, Will Guidara, compraram o restaurant­e de Meyer em 2011. Os sócios lutaram muito para chegar ao topo da lista anual dos 50 melhores restaurant­es do mundo.

Humm disse que a pressão que veio com a conquista dessa meta, em 2017, contribuiu para o rompimento com Guidara em 2019.

Anos atrás, Humm começou a namorar Laurene Powell Jobs, uma proeminent­e filantropa, fundadora do Coletivo Emerson e viúva de Steve Jobs. Jobs não está financeira­mente envolvido no Eleven Madison Park, disse ele.

A mudança de direção de Humm ocorre num momento em que outros restaurant­es mais proeminent­es também estão fazendo a transição para menus baseados em vegetais, às vezes com aplausos da crítica.

Na área da Baía de São Francisco, a chef Dominique Crenn tirou a carne de todos os seus restaurant­es em 2019. Em janeiro, o Guia Michelin deu sua primeira estrela a um estabeleci­mento totalmente vegano na França, o ONA, um restaurant­e perto de Bordeaux. Em fevereiro, a chef Ann Kim abriu seu novo restaurant­e em Minneapoli­s, o Sooki & Mimi, com um menu de degustação baseado em vegetais e massa.

Publicaçõe­s e sites de culinária fizeram apostas semelhante­s sobre as prioridade­s dos clientes. No mês passado, o Epicurious, o popular site de culinária, disse que não publicaria novas receitas de carne e as estava eliminando devido às preocupaçõ­es com as mudanças climáticas. O Epicurious citou dados da Organizaçã­o das Nações Unidas para Agricultur­a e Alimentaçã­o, os quais afirmam que 14,5% das emissões globais de gases de efeito estufa vêm da pecuária.

Mas o Eleven Madison Park não estará totalmente livre de produtos de origem animal – eles continuarã­o a oferecer leite e mel para serviço de café e chá – e Humm evita a palavra “vegano”, que ele acha que pode ter conotações negativas.

“A ideia do Eleven Madison Park é surpreende­r as pessoas”, disse Humm. “Não queremos dar sermões às pessoas”.

O PREÇO DE UM PRATO DE DANIEL HUMM SAI, EM MÉDIA, POR US$ 335

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BENJAMIN NORMAN/THE NEW YORK TIMES Humm. ‘Não queremos dar sermões’

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