O Estado de S. Paulo

EMBAÚBA PLAY ESTREIA COMO PLATAFORMA

Cinema. A partir de sexta, 22, mostra com 80 filmes gratuitos abre os trabalhos de um interessan­te cardápio

- Luiz Carlos Merten ESPECIAL PARA O ESTADÃO

Antes que você comece a pensar na Embaúba Play como apenas mais uma plataforma a operar no streaming que substituiu o cinema no mundo pós-covid, é bom saber que o projeto é mais antigo e é até anterior ao da Embaúba Filmes. Desde que surgiu no mercado, em 2018, a distribuid­ora que tem curadoria de Daniel Queiroz reflete muito a personalid­ade do seu criador. Daniel acredita no cinema autoral brasileiro. Ligou-se à Semana dos Realizador­es, do Rio, que virou vitrine do cinema de experiment­ação.

Na Embaúba Filmes, que tem uma carteira de cerca de 30 títulos, ele conseguiu colocar nos cinemas o deslumbran­te Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumaens. Na Embaúba Play, a expectativ­a é chegar no fim do ano com 500 títulos na carteira. Davi contra Golias. Quem não conhece a história bíblica? Quem nunca ouviu da luta de

Dom Quixote contra os moinhos de vento na obra-prima literária de Miguel Cervantes? Tem horas em que Daniel se sente assim, “dando murros em ponta de faca. Não é fácil enfrentar as grandes plataforma­s de streaming, mas a nossa tem um recorte muito particular. Só filmes brasileiro­s autorais, que muitas vezes não conseguem nem chegar ao mercado.”

Para tirar esses filmes do nicho e projetá-los na internet – “a nova locadora virtual”, segundo ele –, Daniel conseguiu apoio da Lei Aldir Blanc, por meio do governo de Minas, para uma iniciativa ousada. A partir desta sexta, e por um mês, a Embaúba Play marca seu nascimento com uma mostra de 80 filmes organizado­s em seleções por quatro curadores. Todos estarão disponívei­s gratuitame­nte no site wwwembauba­play.com. Os programas dividem-se em Também Somos Rascunhos, pelo olhar de Ewerton Belico, A Fluidez da Forma no Cinema Indígena, por Júnia Torres, Orgia ou O Cinema Que Deu Cria, por Victor

Guimarães, e Testemunha­r, Fabular, Existir – Modulações de Um Quilombo Cinema Brasileiro Contemporâ­neo, formado por curtas de jovens autores negros, selecionad­os por Tatiana Carvalho Costa.

Ao contrário das outras plataforma­s de streaming, na Embaúba Play o espectador não terá de pagar mensalidad­e, adquirindo os filmes avulsos a uma média de US$1,50, ou R$10 por título, durante 72 horas. “A intenção é ampliar as possibilid­ades de circulação de obras que dificilmen­te seriam vistas fora do circuito de mostras e festivais. Nosso público alvo é o espectador de filmes brasileiro­s que fogem do óbvio, pessoas dispostas a pagar pelos conteúdos sabendo que, dessa maneira, vão contribuir com os filmes, que ficam com 60% do faturament­o, e com a manutenção da própria plataforma.”

Embora esteja surgindo agora, quando o streaming virou um modismo – ou a ferramenta para se ver e lançar os filmes na pandemia –, o projeto data de 2013. “Nasceu de um incômodo, a comprovaçã­o de que filmes para nós excelentes não tinham o mesmo atrativo para o mercado e simplesmen­te sumiam do mapa. Mais do que escolher filmes pontualmen­te, privilegia­mos uma seleção de cineastas com filmografi­as relevantes, construída­s, em boa medida, nos últimos dez ou 15 anos.”

Daniel Queiroz conversa com o Estado de casa, distante dez quilômetro­s de Belo Horizonte. Não há de ser por bairrismo mineiro que tanto a Embaúba como, agora, a Embaúba Play contemplem filmes de autores de Minas. Affonso Uchôa e André Novais de Oliveira colocaram Contagem no mapa do cinema mundial, aclamados por publicaçõe­s de língua inglesa, como Film Comment, ou com participaç­ões em festivais internacio­nais. André começou mostrando seus filmes em Cannes. O que A Vizinhança do Tigre e Arábia, os grandes filmes de Uchôa, podem ter de tão interessan­tes para a intelectua­lidade nova-iorquina? Tudo – a Film Comment é uma publicação do Lincoln Center, de Nova York. Coloca os filmes de Uchôa nas nuvens.

Há muita coisa boa, visceral, para se ver na programaçã­o gratuita da Embaúba Play – Batguano, de Tavinho Teixeira, Vida, de Paula Gaitán, Santos Dumont – Pré-cineasta, de Carlos Adriano, Yãmyhex – Mulheres Espírito, de Sueli e Isael Maxakali, Os Dias com Ele, de Maria Clara Escobar, Martírio, de Vincent Carelli, etc. Oito filmes totalmente inéditos terão sua pré-estreia na mostra. Na abertura e no encerramen­to, serão exibidos o curta Sem Título # 1 – Dance of Leitfossil, outra joia de invenção de Carlos Adriano, e A Grávida da Cinemateca, de Christian Saghaard. Esse é um filme muito particular. Em meio às manifestaç­ões contra a crise da Cinemateca Brasileira – e o descaso do atual Governo Federal pela cultura –, uma funcionári­a descobriu-se grávida. Vida que surge, sinal de esperança. Como a Embaúba Play para o cinema brasileiro autoral e independen­te.

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PIGMENTO CINEMATOGR­ÁFICO ‘Batguano’, de Tavinho Teixeira. Longa é um dos diferencia­is exclusivos da Embaúba

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