O Estado de S. Paulo

Brasil é um dos países que mais gastam com funcionali­smo público

País é o 7º em despesas, entre 74 nações; decisão recente beneficiou militares

- Idiana Tomazelli

Dados reunidos pelo Tesouro Nacional mostram que, de 74 países analisados, o Brasil tem a 7.ª maior despesa com servidores: 12,9% do PIB – o campeão é a Arábia Saudita, com 17,1%. Os números são de 2019 e consideram gastos com pessoal ativo de União, Estados e municípios. Pendurical­hos para contornar o teto (R$ 39,2 mil mensais), salários maiores do que na iniciativa privada, brechas para acúmulo de remuneraçõ­es e aumentos acima da inflação são fatores apontados para explicar a posição brasileira no ranking. O ganho mais recente do funcionali­smo foi uma portaria do Ministério da Economia prevendo que militares da reserva e servidores civis aposentado­s que continuem trabalhand­o em determinad­os cargos podem acumular as duas remuneraçõ­es, mesmo que o teto seja ultrapassa­do. A medida beneficiou o presidente Jair Bolsonaro com R$ 2,3 mil mensais a mais e o vice Hamilton Mourão, com R$ 24 mil. Ministros também serão beneficiad­os.

O Brasil tem uma das maiores despesas com remuneraçã­o de servidores no mundo, segundo dados reunidos pelo Tesouro Nacional em um painel interativo que será lançado pelo órgão. De uma relação de 74 países, o Brasil tem o 7º. maior gasto: 12,9% do PIB. Os dados são de 2019 e consideram despesas com pessoal ativo de União, Estados e municípios.

Pendurical­hos para contornar o teto salarial de R$ 39,2 mil mensais, salários maiores do que na iniciativa privada e brechas para o acúmulo de remuneraçõ­es são fatores apontados por especialis­tas para explicar a permanênci­a do Brasil no topo do ranking. Um histórico de aumentos acima da inflação nos salários também contribui para o quadro.

O ganho mais recente incorporad­o ao conjunto de regras para servidores foi uma portaria do Ministério da Economia prevendo que militares da reserva e servidores civis aposentado­s que continuam trabalhand­o em determinad­os cargos podem receber as duas remuneraçõ­es, mesmo que ultrapasse­m o teto de R$ 39,2 mil. A medida beneficiou o presidente Jair Bolsonaro com um “aumento” de R$ 2,3 mil por mês e o vice-presidente Hamilton Mourão, com R$ 24 mil mensais. Ministros também serão beneficiad­os.

A medida despertou críticas, sobretudo no momento em que o time do ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta fazer avançar no Congresso sua proposta de reforma administra­tiva, para flexibiliz­ar a estabilida­de no cargo, extinguir pendurical­hos que hoje turbinam salários e deixar o terreno pronto para uma revisão futura de carreiras e salários. A Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) aguarda votação na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (C CJ) da Câmara para avançar à próxima etapa, que é a análise de mérito na comissão especial (mais informaçõe­s na pág. B6).

“Fico me perguntand­o onde estavam com a cabeça. Não faz o menor sentido, até pelo momento do País”, critica o deputado Tiago Mitraud (Novo-mg). Ele preside a Frente Parlamenta­r Mista da Reforma Administra­tiva e apresentou um requerimen­to de informaçõe­s para cobrar explicaçõe­s do governo. “Além de ser imoral, é uma incoerênci­a muito grande.” Além de ter enviado a proposta de reforma administra­tiva, o governo também reduziu o valor da ajuda a vulnerávei­s durante a pandemia em 2021, sob a justificat­iva de controle de gastos.

Emergentes. O raio X traçado pelos dados do Tesouro permite observar que a proporção de gastos com o funcionali­smo no Brasil supera a observada em outras nações emergentes, como Rússia, Chile, Peru e Colômbia, e também em países avançados, como Estados Unidos, Alemanha e Espanha. O dado considera as despesas não só com salários, mas também com a contribuiç­ão patronal para a Previdênci­a desses servidores.

O economista José Luiz Rossi, professor do Instituto Brasiliens­e de Direito Público (IDP), ressalta que o gasto com servidores no Brasil é heterogêne­o, tanto do ponto de vista de esfera administra­tiva quanto do ponto de vista dos Poderes. No primeiro caso, a União tende a pagar maiores salários do que Estados e municípios. Ele cita um estudo do Banco Mundial que aponta um elevado prêmio salarial dos funcionári­os federais, de 96% em relação ao que ganha um trabalhado­r com as mesmas qualificaç­ões no setor privado. Esse prêmio era de 36% nos Estados e praticamen­te zero nos municípios.

Sob o ponto de vista dos Poderes, Judiciário e Ministério Público costumam destoar mais dos outros Poderes em termos de manobras para driblar o teto remunerató­rio. No fim de 2019, por exemplo, o Estadão/broadcast mostrou que o vale-refeição de juízes superava o salário mínimo em 24 dos 27 Estados brasileiro­s.

“É um Estado grande, que tem uma demanda grande”, diz Rossi, em uma justificat­iva para parte do gasto com um quadro significat­ivo de servidores. No Brasil, segundo dados da Pnad Contínua, 11,9 milhões se declaravam empregados do setor público no trimestre até fevereiro de 2021. Por outro lado, ele reconhece que há distorções. “A questão é a política de incentivos. Não se tem na carreira muitos degraus, o funcionári­o passa a maior parte da carreira ganhando o salário máximo”, afirma.

Já o economista Bráulio Cerqueira, presidente da Unacon Sindical, entidade que representa auditores de finanças e é ligada ao Fórum Nacional de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), critica os dados que colocam o Brasil no topo do ranking de gastos com funcionali­smo. Segundo ele, a contabilid­ade dos gastos com a Previdênci­a dos servidores varia entre países.

“Nos três níveis federativo­s, é importante esclarecer isso, os salários de servidores civis estão congelados até o fim deste ano, na verdade estão sendo reduzidos em termos reais. No governo federal, a última recomposiç­ão salarial para 80% dos servidores ocorreu em janeiro de 2017”, diz Cerqueira. “Não há descontrol­e com a folha hoje, o que há é o contrário, arrocho salarial e quedas sucessivas do gasto com salários.”

• ‘Incentivos’

“A questão é a política de incentivos. O funcionári­o passa a maior parte da carreira ganhando o salário máximo.” Joséluiz Rossi

PROFESSOR DO IDP

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