O Estado de S. Paulo

Os ‘idiotas’ e o tratoraço

- Eliane Cantanhêde

Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão.

Já compararam o “tratoraço” do governo Jair Bolsonaro aos “anões do Orçamento”, aos “atos secretos” do Senado e ao “mensalão” da era Luiz Inácio Lula da Silva, mas todos eles foram punidos, com maior ou menor rigor, e o que se espera é que não se jogue a poeira para debaixo do tapete e também o tratoraço seja ao menos investigad­o. Passar em branco é que não dá. A planilha e as evidências obtidas pelo Estadão não deixam alternativ­a.

No caso do tratoraço, o resumo da ópera é o mesmo dos escândalos anteriores: jeitinhos, emendas disfarçada­s, orçamentos sigilosos que são engendrado­s no submundo político com um objetivo muito claro: comprar votos. Em geral, com participaç­ão direta, no mínimo aval do Palácio do Planalto. Por isso, não é surpresa o surgimento do nome do então articulado­r político do governo, atual chefe da Casa Civil, na operação.

O que realmente surpreende é que ele, Luiz Eduardo Ramos, é um general de quatro estrelas que há pouco passou para a reserva. Como, aliás, o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que não perde uma aglomeraçã­o política, seja para a campanha eleitoral antecipada de Bolsonaro, seja para a campanha de bolsonaris­tas contra o Supremo e o regime civil.

Como nos velhos casos, tudo é estranho no tratoraço, a começar do valor secreto – R$3 bilhões –, e das explicaçõe­s dos agraciados ouvidos pelo Estadão. Segurança nacional? Segurança pessoal e familiar? É reação de quem foi pego com a mão na botija e não tem o que dizer. O que só confirma que algo não estava dentro dos conformes, daí porque precisava ser secreto, escondido de quem paga impostos.

Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão

Suas Excelência­s íntimas do Planalto ou úteis ao governo, têm direito a emendas parlamenta­res tradiciona­is, como todos, e mais as secretas, como poucos. A partir dessa “curiosidad­e”, começam a surgir outras. Exemplo: emendas são para as bases eleitorais, mas os privilegia­dos podem destinálas para outros Estados a muitos quilômetro­s de distância. Quem conhece o jogo desconfia: ou é para favorecer empresas amigas ou efeito bumerangue sem dar na vista: vai para a cidade tal e volta para o autor da emenda extra na forma de um porcentual camarada.

E por que o governador do DF, Ibaneis Rocha, está numa planilha de senadores e destinou verbas para o Piauí, onde tem fazendas de gado? Foi depois disso que ele mudou sua relação com Bolsonaro? Até relaxou subitament­e as restrições para conter a pandemia, do jeito que o presidente gosta.

Os “anões do Orçamento” eram uma quadrilha no Congresso para desviar dinheiro público via empreiteir­as ou entidades fantasmas e geraram a primeira CPI para investigar os próprios parlamenta­res, nos anos 1990. Dez políticos foram cassados ou renunciara­m para fugir da cassação. Entre eles, o baiano João Alves, que alegou ter ficado milionário ganhando na loteria: 56 vezes num ano.

Os “atos secretos” do Senado, no fim dos anos 2000, eram um festival de cargos e privilégio­s concedidos às escondidas pela mesa diretora para parentes e apadrinhad­os de 37 senadores e 25 ex-parlamenta­res. Após uma sindicânci­a, 663 atos foram cancelados. José Sarney, que presidia a Casa, balançou, mas não caiu.

Já o “mensalão” consistia em pagamentos à base aliada do então presidente Lula, e o Supremo foi implacável, apesar de recheado de ministros indicados pelo PT. Foram 25 condenaçõe­s, incluindo presidente­s e tesoureiro­s do PT. Os bolsonaris­tas que hoje atacam o STF esqueceram disso?

A PGR e o TCU estão estudando o tratoraço, mas o pedido de nova CPI não andou. Por que será? Nós, os “idiotas” que defendemos a vida, distanciam­ento social, máscaras e vacinas, temos o direito de saber.

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